sexta-feira, 9 de novembro de 2012

The Storyteller Crow - Odara


Muito boa noite, meus amigos que se mantém despertos sob a luz da Lua que jaz lá no alto. Não vim para falar de Lenora e tampouco para atormentar-lhes a alma, a mente ou ainda para atacar alguma carcaça jogada ao chão... pelo menos, não agora.

Odara, aos 10 anos, era só mais um dos milhares de pobres que disputavam cada metro quadrado de terra entre si e com os ratos. Apesar da pobreza notória que contrastava com os poucos abastados da Índia, Odara era feliz. A pele morena e os olhos amendoados, ornados com uma maquiagem negra que realçavam seu olhar. Os cabelos negros cobertos com um turbante tão colorido quanto as roupas simples que lhe cobriam todo o corpo, eram quase como um reflexo de seu espírito imensamente alegre.

O garoto sempre carregava consigo um instrumento que  batizou de abharan, pois era sua maior jóia, sua preciosidade. Abharana era feita de madeira tosca e acabamento rústico, quase grotesco.  Odara gostava de sentar-se às margens do Ganges, em meio aos corpos que boiavam e à imundície, para olhar os horizontes e as pessoas que ali se amontoavam. Era como um alimento para ele, que gastava muitas horas e dias ali. Seus pais não se importavam muito, mas não por maldade. Eles tinham outras seis bocas para alimentar. Caso um filho desaparecesse, ainda que lhes doesse, seria uma bênção.

Ainda que soubesse falar com certa polidez, Odara não sabia ler ou escrever. Escola era algo para as castas de brâmanes e ricos em geral. Entretanto, sua música parecia ser obra de um gênio que passou anos em um conservatório. Provavelmente este fato se deve à pureza com que a melodia era composta e a espontaneidade com que Odara dedilhava as cordas de sua abharana.

Ele era dotado um pacifismo que parecia inabalável e, portanto, era alvo constante de outros garotos . Creio que importunar os pacíficos e os fracos seja algo que está latente nos recônditos da alma de todo humano que povoa a Terra. A diferença consiste no fato de que, em alguns essa tentativa de prevalência se manifesta com furor e cativa estes espíritos fracos, que se apaixonam pelo sadismo recém-manifestado e isto se torna hábito.

Certa vez, como de costume, Odara se encontrava com os pés imersos na água do rio sagrado e dedilhava sua abharana com destreza e até mesmo paixão. Eu podia ver em seus olhos e sentir em sua aura, que ele queria confortar aqueles homens que choravam seus mortos e animar as mulheres que lavavam suas roupas ali na margem. Ele não sabia o que fazia, mas sentia que devia fazer aquilo. É a pureza de espírito que poucos tem.   Um grupo de jovens se aproxima e cercam aquele menino imerso em sua música. Ao perceberem que Odara não lhes deu atenção, roubaram-lhe a abhara e partiram-na em duas partes, arrebentando as cordas. Odara não reagiu, mas uma lágrima lhe caiu dos olhos. Aqueles jovens, que mais pareciam filhos de asuras, começaram a rir de prazer com o que haviam feito. Ainda esperavam que Odara reagisse de uma forma mais intensa ou mais violenta, então o jogaram no chão e desferiram chutes violentos.

O garoto, pacífico como o próprio Ganges, levantou-se com o sangue escorrendo-lhe pela boca. Seus olhar ainda sereno, foi adornado com um sorriso leve, como se houvesse triunfado em uma batalha e não quisesse demonstrar este orgulho. Em seguida, seus lábios começaram a articular palavras que foram ditas em harmonia e soavam como música ou poesia.

“Om
 Om Bhuva Swaha
 Om Bhargo Devasya
 Om Shanti Om
 Om Dhiyo Yo Nah
 Prachodayat...”

Aquele bando que agiu como as bestas de asura ficou sem reação. Somente entreolhavam-se, pois compreendiam as palavras mas não o seu significado. Odara pegou sua abhara quebrada e mergulhou lentamente no Rio Ganges. Ninguém jamais o viu sair. Dizem os gentios que o rio Ganges o levou em seus próprios braços. Outros dizem que  o rio lavou o que restava de impureza em sua alma e, assim, Odara deixou o ciclo de reencarnações.

Aquela região  recebeu o nome de Varanasi e dizem que, todos os dias ao nascer e pôr do Sol, ouvem-se as palavras de Odara, ecoando como mantra de paz aos homens.






* Imagem retirada da página “Humans of India” * 



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