sábado, 19 de março de 2011

Howl!


A neve pareceu derreter, pois Arthur não sentia mais o frio cortante. Simplesmente ficou ali parado, olhando aquela bela garota.

- Meu nome é Hanna. Hanna Braveheart. Obrigada pela ajuda!
- Não foi nada.
- Qual o seu nome? - Hanna perguntou, mas sem obter resposta. Arthur a olhava fixamente. Ora, não seja um ogro, garoto! - uma bola de neve é lançada.
- O que diabos pensa que está fazendo?! - Arthur sai do transe, completamente irritado.
- Eu perguntei seu nome, seu ignorante! Você não me respondeu ainda.
- Meu nome é Arthur - ele responde, meio irritado e limpando os cristais de gelo sobre o seu rosto.
- Arthur...
- Só Arthur.
- Só Arthur? Não tem sobrenome, nome de família?
- Já tive uma família mas ela não existe mais e o sobrenome eu nunca procurei saber. - os olhos castanhos e sem brilho se tornam tristes por um momento.
- Segura essa!
- O que...- outra bola de neve que, desta vez, lhe acerta o peito.
- Sabe, durante aquela luta você me pareceu bem mais ágil - Hanna sorri, provocando-o mas com doçura.
- Eu deixei você me acertar.
- Aham, é claro! Mas eu quero ir embora daqui, Arthur e suponho que você também não tenha pretensão de ficar aqui.
- Certamente não tenho, mas eu não lhe convidei para vir comigo.
- E quem disse que eu preciso da sua autorização? - Novamente o sorriso provocativo e cativante.
- Você é petulante, sabia? Corro riscos intensos e constantes. Você é linda e agradável demais para viver como eu vivo...para viver como um animal. Quando se deu conta do que tinha dito, o rosto de Arthur se ruborizou.
- E você é cabeça dura, apesar das palavras agradáveis e da sua preocupação comigo. Mas eu sou forte o suficiente para viver como você vive.
- Não posso te impedir de me seguir...
- Não há nada que me prenda aqui, Arthur. Antes morrer por aí, conhecendo o mundo, do que definhar neste lugar arrasado.
- Braveheart...o nome lhe cai bem.
- Para alguém que as vezes parece um orc, você é bem educado.
- Todos julgam antes de conhecer. Arthur fala com desdém - É por isso que prefiro ficar sozinho. Pessoas são cansativas.
- Inclusive eu?
- Não sei. Não conheço mais do que o seu nome e sua coragem, mas você me causou uma boa impressão.

Os dias se seguem e Hanna se mostra muito valorosa, de um companheirismo inigualável que quase fez com que Arthur esquecesse o seu leve desprezo por humanos. Hanna era muito hábil com arco e flecha, além de habilidades de boticário. Claro que essas batalhas os aproximou bastante, porque entre vitórias, fugas, proteções e resgates, havia boas conversas sob a luz da Lua. Uma fogueira acesa, com legumes e peixes sendo assados. Ao longe, o barulho de um rio que corria suave.

- Arthur, você é bonito mas tem os olhos tristes...
- Nunca tive muitos motivos para sorrir. Viver na mata sempre foi o meu estilo e mais ainda depois de alguns eventos.
- Você fala especificamente de que?
- De algo que você só vai saber, no dia em que eu resolver contar. - rispidez.
- Tudo bem!
- E você? De onde tirou tanta força? Onde aprendeu a lutar?
- Aquela não foi a primeira vez que o vilarejo foi invadido e atacado. Jurei que aprenderia a me defender e defender a minha família. Arco e flecha sempre foram efetivos, pois não precisava me arriscar muito.
- Entendo...derrubava vários inimigos ao longe e sem nem mesmo ser vista.
- Você também me julga pela aparência frágil... - Um silêncio desconcertante toma paira sobre os dois. Arthur olha para o fogo e lá se perde.
- Eu não sou o tipo que conquista pessoas. Sou do tipo que é conquistado por elas, Hanna.
- Arthur, quando você se mostra, é capaz de arrebatar pessoas. Deveria fazer isso sempre.
- Só faço isso quando me sinto confortável com alguém. - ele esboça um sorriso.

O momento agradável e de franqueza, é interrompido por um barulho de passos apressados por entre as árvores. Arthur ergue-se e empunha a lança que houvera feito antes do anoitecer. Subitamente um vulto de olhos brilhantes se lança sobre Arthur que, com agilidade e precisão notáveis, atravessa o peito da criatura com sua lança, que à luz da fogueira, se revelou um lupino. O animal uivou atormentado e, com suas garras em forma de sabre, rasgou o tórax de Arthur, deixando sua marca. Arthur urra de dor e Hanna, com destreza, defere uma saraivada de flechas sobre a criatura, que foge antes de poder desferir um outro golpe.

- Arthur! - Hanna corre em direção ao garoto no chão, enquanto as lágrimas inundam o verde de seus olhos. - Fale comigo, Arthur!
- Isso doeu...muito! Cachorro pulguento! Acho que vou precisar daqueles extratos de planta que você faz, sua bruxinha.
- Não é hora para dizer tolices! Aquele lobo não era comum...
- Também lhe pareceu um lincantropo, não é?
- Tanto a lança quantoa as flechas teriam matado um lobo normal.
- Então você corre perigo. Se eu me transformar...
- Se você se transformar eu te coloco uma focinheira. De qualquer forma, gosto de cachorros. Vou te adestrar antes que se torne um cachorro malvado. - ela sorri.
- Sempre otimista. - pela primeira vez, a doçura invade o rosto de Arthur.

A noite cai e a Lua se mostra em toda a sua beleza. Arthur e Hanna dormem próximos a uma fogueira que arde intensamente. O crepitar do fogo e o barulho dos insetos são a música que ecoa pela floresta. Hanna tem um pesadelo e, como se fosse uma criança, acorda chamando por alguém que lhe transmite segurança.

- Arthur! - ela olha para o lado e não o encontra. Um uivo longo e arrastado faz as árvores farfalharem e os animais se esconderem. Hanna se levanta e observa um rastro de sangue.
- Pelos deuses, não! - Hanna pensa logo no pior e as lágrimas rolam novamente. Ela adentra a mata e se depara com um par de olhos vermelhos que brilham como duas gemas de rubi. O lincantropo rosna, mostrando os caninos afiados e reluzentes, a saliva escorre espessa, molhando os pelos negros como a própria noite.
- Arthur? Arthur, é você? - ela treme, mas se mantém estática e de pé. Não por ela, mas por ele. E não há resposta humana naquela fera. Somente uivos e rosnados ressoam naquela boca. Hanna corre, voltando para o lugar em que estavam horas antes.
- Queiram os deuses que ele reconheça o cheiro daquele lugar. Hanna se esconde atrás de uma árvore para recuperar o fôlego, quando sente um hálito quente em seu pescoço. Ela se joga no chão, evitando um ataque que lhe deceparia a cabeça. Ela fita o animal diretamente nos olhos. A saliva do lincantropo cai no rosto de Hanna, que desta vez, não se controla.
- Arthur, sou eu, Hanna! Tente se lembrar!

A boca se aproxima do pescoço, o coração bate acelerado injetando grandes quantidades de sangue e adrenalina naquela garota tão bela, pronta para abocanhá-lo. Hanna já sentia o hálito quente quando a neve volta a cair, salpicando as árvores com o belo véu branco.

- Han...na, Han...na...- os olhos vermelhos se tornam humanos novamente. Arthur, inesperadamente, se acalma e lentamente volta a sua forma humana, enquanto a Lua é encoberta por densas nuvens frias carregadas de gelo.
- Hanna, o que foi que eu fiz? Você está bem? Não fique perto de mim! Da próxima vez pode não haver nuvens ou neve para te proteger de mim...
- Ah, cala a boca! Eu estou bem e feliz por você ter voltado ao normal. Sabe o que é bom nisso tudo?
- Tem algo de bom?
- Eu agora posso lhe dar um sobrenome.
- E qual seria?
- Wolffang. Arthur Wolffang

Arthur está completamente desarmado e sorri. Olha para Hanna, tão linda, tão forte... ele a abraça. Sim, Hanna derreteu a neve e, junto com a neve, derreteu o gelo que havia em Arthur.

- Amo-te, Hanna Braveheart, a minha garota de cabelos-de-fogo.

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