sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
The Storyteller Crow - Luz
Muito boa noite, meus amigos que se mantém despertos sob a luz da Lua que jaz lá no alto. Não vim para falar de Lenora e tampouco para atormentar-lhes a alma, a mente ou ainda para atacar alguma carcaça jogada ao chão... pelo menos, não agora. Vim para lhes contar a história de uma alma que se perdeu neste mundo por culpa dela mesma.
Meus queridos mortais, aprendam que dizer "Te amo", "gosto de você", "amigo", "irmão" e todas estas... definições tão fortes é algo que deve ser medido. Nunca diga que ama sem realmente amar, nunca chame de amigo ou irmão quem é somente um colega. Isto não é tão somente uma questão de respeito para com o sentimento em si, bem como uma questão de respeito para outrem. Já pararam para pensar como seria se alguém dissesse que te ama, você acreditasse e depois esta pessoa mostrasse que tinha tão somente um carinho, mas não um amor sincero? Deixemos as minhas conclusões de lado e vamos à história.
Era um anjo belíssimo, de asas alvas reluzentes, cabelos lisos e olhar triste. Mas era tão doce aquele anjo, tão doce e tão educado. Ele apareceu na terra em forma de luz e, tão logo a luz deixou de ser ofuscante, várias pessoas pararam à sua volta para vê-lo e admirá-lo.Com sua voz suave...um pouco lamentosa, ele encantou multidões e de seus lábios saiam palavras doces como o mel e hipnótica como uma dança xamânica. Muitos se curvaram e o amaram intensamente, quiseram cuidar daquele anjo. Limpavam seu corpo, suas asas, sua túnica alva com detalhes dourados, davam-lhe as melhores refeições e bebidas. Doavam-lhe tudo com a maior das purezas...uma pureza tão celeste quanto o próprio anjo.
Voando pelos céus, por várias vezes, eu vi pessoas derramando-se em pranto pela simples presença de tal criatura naquele lugar. Algumas se apaixonaram por aquela criatura que tinha um brilho muito próprio e elas nunca mais eram as mesmas quando isto acontecia. Todos confiavam plenamente naquele anjo de olhos escuros.
Que fique claro, meus caros amigos, eu nunca sinto nada. Sou desprovido de sentimentos, justamente pela função que desempenho neste universo. Ela requer frieza total, porque há almas que se lamentam quando perdem o corpo físico, assim como há carcaças infantis das quais devo me alimentar. Sou uma ave sem coração, literalmente. Tudo o que fiz foi observar a completa fascinação que aquele anjo provocara nos humanos.
O que me chamou a atenção foi o fato de uma pessoa e tão somente uma pessoa, não ter se apaixonado pela criatura exuberante. O anjo passava pelas multidões, desfilando sua beleza celestial, mas esta pessoa o olhava com desinteresse e seguia seu caminho, enquanto várias pessoas cercavam o anjo, cuidando-o.
Pois bem, quando as pessoas se apaixonavam, elas se transformavam em ruínas...com a alma apagada, frágil...e digo com toda a certeza por ser capaz de enxergar almas dentro de corpos físicos. Não vejo sua índole, mas percebo sua presença. Mas, até então, eu não compreender aquilo tudo. Decidi, então, acompanhar sempre aquela única pessoa que não sentia nem a mais remota curiosidade pela figura angelical. Passei a observar tudo de dentro de sua casa e pude ver que, à certa hora do dia, ela se transformava em demônio com asas membranosas, chifres de cordeiro mas ainda mantinha aparência humanóide - não, demônios não são vermelhos - apesar dos chifres e das asas.
- O mundo vai saber de você! O mundo vai saber de você - ela repetia, em voz baixa, quase como
um mantra.
Com o tempo comecei a observar que o Anjo estava intrigado com o fato de uma única pessoa não ter caído aos seus pés e aquilo o deixava, de certa forma, incomodado. Ele estava acostumado a ouvir suspiros das pessoas pelas quais passava. Desta forma, pude organizar as peças e perceber o que se passava naquele lugar, mas não direi agora. Vou relatar os fatos como aconteceram.
O anjo, ao pôr do Sol, cruzou com aquela criatura que até então não havia revelado sua aparência. Os olhares se cruzaram e o demônio sorriu ao perceber que o anjo se mostrava para conquistá-lo.
- Que belo sorriso!
- Agradeço, mas são seus olhos!
- Não! Lhe digo a verdade! Tens um belo sorriso. Uma vez amei alguem com um sorriso tão lindo quanto este, mas fui trocado por uma outra criatura. Ah, como ainda sofro este desamor!
- Pois não deveria! És tão belo, tão gentil...sua pureza e sua sinceridade irradiam através de
sua pele e de seus olhos de anjo.
Àquela altura o anjo já estava começando a crer que esta pessoa o amaria, assim como todos o amavam tão facilmente.
- Esta beleza de que falas de nada me serve, pois estou só!
- Como podes alegar solidão quando és seguido por esta multidão?!
- Esperei por alguém especial. Sabia que encontraria esta alma cedo ou tarde.
- O que insinuas? Insinuas que...
- Sim! Amo-te desde que meu olhar pairou sobre ti!
- Como pode ser? Mal nos conhecemos!
- Já esperava esta reação...todos sempre deixam-me só!
A multidão começou a se jogar aos pés do anjo, desejando aquela criatura para si, que abriu suas asas brancas como que para abraçar a todos ali.
- Não vês, anjo? És desejado por todos que se jogam a seus pés!
- Não os amo como amo a você! És tu a metade da minha alma e é contigo que devo passar toda a
eternidade.
- Mas...
- Meu tempo se esgota a cada segundo. Dê-me a felicidade plena antes que minha existência se
acabe!
- Lhe ofereci, certa vez, a felicidade plena...
- ...como?
- Olhe em meus olhos e veja tudo!
Lentamente, a pele humana se desfez e o demônio revelou-se, com suas asas negras e chifres de carneiro projetando-se nas laterais da cabeça.
- Tu, anjo, és uma farsa! Não pôde e nem pode amar! És meramente uma bela forma dotada de um vazio interior. - um burburinho se formou na multidão, após o pronunciamento do demônio.
- Como pode insultar-me assim?
- Seus olhos, meu anjo, seus olhos não mentem como sua boca. Posso vê-los delatando toda a verdade que escondes desta multidão. Permita que estas pessoas olhem-no também!
A multidão se dividiu entre uns que conseguiam ver o que ali se passava e entre outros tantos que não conseguiram duvidar de um anjo.
- Sou um anjo, uma criatura boa, dotada de amor. Tu és o demônio, a criatura baixa, a criatura que vem das profundezas, criatura que serve ao Inimigo! Tu és a personificação do Pai da Mentira!
Lentamente uma criança se aproximou, curiosa e olhou ambas as criaturas que degladiavam verbalmente e, inesperadamente, disse para seu pai:
- Papai, o anjo esta mentindo! - a multidão se calou, surpresa com o pronunciamento daquele infante.
- Meu filho, como pode crer em um demônio e duvidar de um anjo?
- Papai, eu tenho certeza! Eu vi! - o demônio sorriu com aquela frase.
- Vocês, humanos, digam-me: há algo mais puro do que uma criança? Quando eu digo a palavra inocência, que figura lhes vem à mente? Eu, um demônio imundo e caluniador, lhes peço a resposta.
Um senhora enrugada, apoiada em um tipo de cajado, com os cabelos ralos envoltos por um lenço florido falou com sua voz rouca:
- Não há humano mais puro do que uma criança! Ela vê coisas que não podemos ver, pois um infante é desprovido de malícia e de verdades enganosas.
- Esta senhora deve estar senil! - bradou o anjo.
- Eu lhes digo que também sou um anjo, mas um anjo que caiu em desgraça. Um anjo nasce puro, mas ele também é imperfeito como qualquer humano sobre este chão.
Parte da multidão percebeu a aura do anjo se enfraquecendo. Ele já não mais podia ocultar a verdade e suas asas começaram a enegrecer. Aos poucos o anjo se revelou a verdade, que começava a lhe corroer e a destruir seu aspecto belo e puro.
- Meu pequeno, vou lhe contar a minha história. Peço que olhe em meus olhos e diga se minto ou se falo a verdade.
- Sim senhor!
- Eu já amei este anjo. Amei-o com toda a minha existência. Eu o protegi, o afaguei, lhe dei compreensão, conselhos... mas ele não retribuiu nada do que eu senti e simplesmente descartou- me após tudo o que eu lhe dei...
- E o senhor se enfureceu, lhe desejou mau e perdeu sua aura angelical...? - disse a velha senhora.
- Exatamente! A partir do momento em que lhe desejei mal, eu me tornei mau. Quanto mais mau eu desejava, pior eu ficava. É a lei das coisas: peça pelo mal e ele virá a ti.
- Se desejar o bem, ele virá a ti.
- Sim, minha senhora. Agora digam-me a senhora e você, pequena criança: estou mentindo?
- Não. - as vozes em opostos da vida responderam em uníssono.
- Ainda estou aprendendo com tudo isto. Aprendi a lidar com a dor, com o ressentimento e com a tristeza. Estou aprendendo a perdoar e a buscar o melhor. Não tenho mais rancor deste anjo que agora se revela, mas não mais o amo e vim lhes dizer esta verdade. Não se enganem, mortais!
O anjo foi engolido pela terra, o demônio se desfez em uma nuvem e a multidão se dispersou levando consigo as palavras do demônio. Pois lhes digo, minhas crianças, para aprender a olhar mais profundamente. A beleza atrai, seduz e encanta entretanto esta beleza pode ser vil à medida que não vem acompanhada de uma alma verdadeiramente boa.
Busquem ver a beleza contida na bondade e na sabedoria e não na beleza física. Certa vez um sábio disse que "a beleza está nos olhos de quem vê" e "não julgue o livro pela capa".
Busquem conhecer a fundo todas as dimensões de tudo o que encontrarem. O que é aparentemente feio pode esconder a maior beleza desta terra.
*Obrigado pela força que você me deu para terminar de escrever esse conto, Mayah*
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