quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Morte Vermelha



A minha telepatia as vezes foge do controle e eu consigo captar pensamentos e imagens aleatórias dos mortais que se encontram em um determinado alcance. Posso não conhecê-los, mas chego a saber dos seus mais íntimos desejos. Pois bem, captei algumas imagens que me deixaram extasiado com a possibilidade de criar uma grande peça. Eu via cigarros, heroína, cocaína, whisky, vodka, vinho, homens e mulheres na mesma cama, cordas, correntes, mordaças, vendas nos olhos,agressões verbais e físicas, gritos, gemidos, risadas... tudo tão caótico e tão...provocativo.
Os mortais, as vezes, me surpreendem por abusarem tanto de sua frágil vida, que pode se perder em um piscar de olhos. Contraditoriamente, acho tão linda essa vontade de aproveitar tudo sem se preocupar com as consequências, como se suas vidas durassem somente uma fração de hora.

Como sabem, sou genial no que faço e não deixaria meu trabalho pela metade. Seguindo as imagens captadadas daquela mente, entrei em uma loja e roubei algumas roupas...vemelho! Essa é a cor! Segurança? Como ver o rosto de algo tão rápido que mais parece um vulto? Fui atrás daquela mente perturbada, intensa e sofrida. Cheguei a uma casa rústica, feita em grandes blocos de pedra como se fosse um palacete mesclando o rústico e o moderno. Não era uma construção tão alta a ponto de que me fosse necessário escalar as paredes como fez Drácula ou como o Dr. Harker tentou fazer. Simplesmente entrei pela janela, silenciosamente como sempre, deixando só uma respiração ofegante e proposital sair de meus pulmões mortos. Modulei minha voz para que ela parecesse sobrenatural - como se já não fosse - e chegasse de forma hipnótica àquela mente perturbada.

"Você tanto chamou, tanto pediu e agora eu estou aqui em seu quarto. Você, jogado em seus lençóis limpos, a sua pele macia e descoberta em um contraste perfeito com a cama, enquanto repousa seu corpo cansado..."

- A noite está agradável, não?
- Quem é você? - Os olhos abriram-se lentamente.
- Eu sou o que você tanto deseja...
- O que eu...tanto...desejo?
- Refrescarei sua memória.

"Pulsos cortados, intoxicação por remédios, lágrimas, brigas com os pais, tentativa de se afogar, bebidas, narcóticos, sexo com vários caras e o desejo de que um homem reunisse tudo o que você busca... as imagens passam como flashes distorcidos, como uma realidade mais parecida com um sonho sem sentido."

- Lembrou-se?
- ...
- Você sonhou tanto com um Inccubus, com um homem perfeito para lhe satisfazer. Pois aqui estou!
- ...
- O que há? Não era exatamente isso o que você desejava? Não foi isso que você sempre quis? Aqui estou para lhe dar tudo e te tirar desta vida que você tanto odeia...desta vida com os seus pais. Diga o que quer e eu farei.
- Eu ainda não sei o que quero... só sinto uma perplexidade grotesca por ter a imagem do meu inccubus tão próxima de mim...
- Toque e verá que não é só uma imagem. - Vocês já sabem onde fui tocado, certo?
- Sim, você é meu incubbus! - os olhos transbordaram alegria.
- Belo quarto! Rústico, sombrio, quase... medieval...
- Eu gosto dessa atmosfera. Aqui é um dos poucos lugares em que eu realmente me sinto bem. Há outros quartos neste estilo, mas o quarto anexo é o meu favorito.
- E o que há em seu quarto anexo?
- Você não sabe? Sabe tanto sobre mim e não sabe sobre o quarto?
- Sou seu inccubus, não um adivinho. As minhas habilidades se encontram em outras partes do meu corpo...
- É bom mesmo que estejam, senão...
- Senão o que? O máximo que você poderá fazer é se decepcionar, certo?
- Ui, que agressivo! Adoro isso!
- Se não adorasse, esta característica não estaria em mim. E você ainda não respondeu a minha pergunta.
- Ai, cara, que Inccubus chato você é!
- Responda o que eu perguntei! - dei-lhe um tapa no rosto, marcando-o com meus cinco dedos e fazendo um pouco de sangue escorrer de seus lábios.
- Hmm...agora está ficando interessante. Acho que vou te enrolar mais um pouco e... - Eu o interrompi, segurando firme o seu rosto e olhando-o nos olhos, dei-lhe uma leve mordida nos lábios, fazendo- sangrar mais um pouco.
- Você me parece tão ansioso quanto eu. Vou te mostrar o outro quarto.

Obviamente eu sabia o que existia naquele quarto. Eu vi as imagens... tantas imagens e tão...interessantes... mas eu vibrava com a possibilidade de realizar o que eu tinha em mente. Ter alguém que certamente se entregaria a mim sem o menor receio... apesar de que eu adoro conquistar e depois...

A porta se abriu e novamente vi as paredes de pedra, com uma cama imensa em madeira nobre, espelhos espalhados pelo quarto sem janelas - somente algumas poucas vigias mínimas entalhadas na parede - e um grande candelabro pendurado no teto, iluminando fracamente aquilo que parecia ser mais uma cela abafada do que um quarto. Avistei um grande baú ou talvez um ataúde, o que mais parecia ser por ser tão alongado. Era tão cru e tão grotesco que acabei perdendo o intereresse no que poderia haver ali. Uma música começou a tocar e parecia ser tocada em uma harpa.

- Bela música!
- Inccubus não são criaturas infernais? Como pode gostar de algo tão angelical?
- Os inccubus também são anjos. Só mudaram de casa e não usam mais uma coleira... - enquanto eu ainda falava, suas roupas cairam no chão.
- Você fala demais! Venha se deitar comigo, afinal, é para isto que você veio.
- Como você é vulgar! Simplesmente incrível o modo como você desvaloriza seu corpo e sua vida.
- Que é? Vai ficar dando sermão, pai? Se eu quisesse sermão, teria implorado por Jesus Cristo.
- Abaixe o tom de voz! - um tapa do outro lado do rosto - Ninguém grita comigo!
- Já vi que eu vou ter que acender você... - ele falou com um sorriso no rosto. Obviamente o tapa foi prazeroso para ele...e para mim também. - Abra este baú e veja o que te agrada!

Ele se jogou na cama e eu abri o baú que, para a minha surpresa, estava repleto de grilhoes, cordas, hastes de borracha ou madeira, ganchos... e tudo isso me deixou extasiado, pois me abria várias possibilidades e métodos distintos. Ah, mas eu não perderia esta oportunidade e peguei os grilhões. Sim, grilhões porque combinavam mais com o quarto.

- Você vai querer estas coisas velhas?
- Não te perguntei nada, humano! - eu o segurei pelo pescoço e o joguei na cama, predendo seus pés com os grilhões.
- Ora, ora, parece que vou me divertir um pouco, não?
- Você eu não sei, mas eu irei... - ele era completamente perturbado. Quanto mais agressivo eu era, mais ele gostava e isto me deixava um pouco pasmo por nunca ter lidado com este tipo de humano. Mas eu gostava daquilo, pois os desejos dele ocultavam os meus.

- Você sabe o que nós, os inccubus, somos, garoto?
- São um tipo de vampiro que rouba fluidos sexuais.
- Sim. E você sabe como podemos roubar estes fluidos?
- Seja lá qual for a maneira, você terá que tocar em mim e me fazer gozar.
- Muito esperto... - deixei-me cair sobre ele, mordendo sua boca e seu peito, de uma forma humana, sem que o sangue escorresse. Minha boca percorreu toda a extensão de seu corpo e eu vi ele se enrijecer.
- Agora sim você se parece com um inccubus - ele dizia com a voz trêmula, retorcendo o corpo.
- Vamos fazer isso ficar realmente interessante.
- O que pretende?
- Pelos ganchos neste baú, suponho que você seja praticante de suspensão corporal, não?
- Sim, eu sou.
- Ótimo! Você vai usá-los hoje comigo.

Atravessei os ganchos em seus joelhos e dispus mais seis ganchos em suas costas. O sangue escorreu por algum tempo. Eu não resisti e passei a língua para limpar. Não havia problema. Eu era um inccubus, certo? Peguei as correntes e passei pelos orificios dos ganchos. Os ganchos que ainda restavam coloquei na parede (ser sobrenaturalmente forte é uma vantagem) e ali as prendi. Ele ficou erguido de cabeça para baixo, mas de forma que eu pudesse andar ao seu redor.

- Isso tá tomando ares de hardcore...
- Ficou com medo? Ou é um pudor súbito?
- Não. É simplesmente vontade de saber o que você vai fazer.
- Hmm... digamos que este quarto levemente medieval me faz pensar em inquisição...
- Tortura?
- Acho que para você não será tortura.

Busquei as hastes de metal finas e flexíveis. Os olhos dele brilharam por um instante...é...ele sabia o que eu queria. Golpes sucessivos deixaram marcas em seu corpo e ele não derramava uma lágrima. Aquilo tudo lhe era prazeroso.

- Acho que já tá na hora de você tirar este sobretudo vermelho, não? - ele dizia com a voz entrecortada, enquanto seu corpo era marcado e começava a sangrar.
- Você não tem que achar nada! Você chamou por mim, eu estou aqui e contente-se com isso. - A bem da verdade, eu havia assumido a personalidade de um inccubus. Eu dava prazer a ele, mas ao mesmo tempo, me sentia bem por ver todo aquele sangue escorrendo e por ver alguém se entregar daquela forma. Toda aquela violência gratuita em meio ao som suave de uma harpa... contraditório, não?

Fiquei impressionado em como alguém poderia gostar de sentir dor. A dor é algo para nos afastar do perigo, para nos proteger... mas ele estava ali, sendo marcado e adorando tudo aquilo, como se fosse sexo, beijos, abraços...como se fosse a heroína que ele tanto gostava de usar.

- Você poderia bater com mais força! Isso já ta perdendo a graça.
- O que? - Aquilo me deixou irritado pois eu simplesmente não compreendia o motivo da dor lhe provocar tanto prazer e lhe dei um golpe mais forte, não para atendê-lo, mas para descarregar a minha raiva. Um corte apareceu em uma de suas nádegas, além de todos os outros hematomas por todo o corpo.
- AHHHH... agora...você...acertou!

Diferente do que eu imaginara, o seu grito fora de prazer e não de dor. Voltei-me para a frente de seu corpo, vi sua expressão de serendidade, de êxtase e seu membro ereto. Mas que inferno! Como aquilo era possível?

- Você gosta mesmo disso, não é, garoto?
- A minha animação é tão óbvia assim?
- É... posso ver algum sinal em seu... corpo.
- Já há algum tempo que estamos neste jogo. Você precisa comer.
- Eu não preciso comer. Preciso ser comido!
- Mas você é insuportavelmente voraz. Coma esta maçã!
- Preciso descer daqui primeiro.
- Eu vou colocá-la em sua boca.

Eu ia mordendo a fruta e fazendo-o pegá-las sem usar as mãos. Por fim eu já estava gostando daquilo tudo. Eu via seus olhos atentos, vivos mas lânguidos ao mesmo tempo. Eu via o líquido escorrendo de seu membro ainda excitado.
Aquilo era simplesmente intenso até mesmo para mim. Ele agia de forma desprendida e parecia apreciar todos os detalhes do que se passava ali, como se estivéssemos em outra realidade.

- Por que uma maçã, inccubus?
- Realmente não tem idéia? A propósito, meu nome é Maxim.
- Pode me chamar de Orfeu. Meu nome não interessa.
- Isto explica o som da harpa... e, coincidentemente, você gostar tanto de sofrer...
- Para uma criatura do inferno, você está bastante impressionado... acho que estou sonhando um sonho muito bom e que você não existe.
- Sinta isto e diga se é realmente um sonho. - Imediatamente investi contra o seu pescoço, mordend-o e bebendo um pouco de seu sangue.
- Você é real...
- Tão real quanto seus pais, as drogas, os outros homens, o cigarro, o álcool. Diga-me por que faz isso tudo a si mesmo?
- Meus pais não me aceitam muito bem, não me apoiam em nada e eu preciso ter alegria de algum modo. Não sei como funciona, mas a dor me provoca essa alegria...
- Fascinante! - dei-lhe um beijo e o desci dos ganchos e correntes. Um pouco de sangue escorria das suas costas. Eu o joguei na cama e beijei carinhosamente cada orificio que sangrava. Ele havia me conquistado com o que dizia, com a sua forma de reverter todos os danos... eu sei apreciar este tipo de coisa.
Resolvi mudar tudo e esquecer o que eu havia planejado. Deitei com ele na cama e ali fiquei abraçado, conversando com ele.

- Maxim...nunca ninguém foi carinhoso comigo antes. Não da forma como você está sendo. Você pode ter vindo do inferno, mas não é mau...
- ...
- Todos sempre se aproximaram porque me viam como objeto...
- E eu fui diferente?
- Talvez não, mas está sendo agora.
- E você gosta?
- Sim...
- Então posso supor que você vai parar de se deixar ser usado como objeto?
- Não. Eu amo ainda mais ser o que eu sou - Outro choque para mim. - Se eu parar, não vou ter nenhuma alegria, então é melhor viver arriscadamente, pouco mas curtir a vida, do que viver sob as convenções e ser infeliz.

Por um momento eu me sentei ao seu lado. Aquilo era conflitante, absurdo, mas verídico... ele estava aproveitando a vida a seu modo, mesmo que fosse morrer rapidamente.

- Então se você morresse hoje...
- Para mim não faria diferença.

Eu me deitei sobre ele e o toquei até sentir o seus fluidos umidificarem meu casaco. Virei sua cabeça para o lado, sussurrei em seu ouvido "seu desejo será novamente atendido" e mordi seu pescoço, bebendo cada gota de sangue. Eu podia ouvir o rufar de seu coração se tornando cada vez mais fraco, ouvi-lo entregando-se a mim e antes que a última sístole ocorresse, eu vi uma lágrima cair de seus olhos, um leve sorriso abrir e seus olhos se fecharem...

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