terça-feira, 30 de agosto de 2011
Espelho - Parte II
Abri meus olhos logo após o crepúsculo, deparando-me com um caixão confortável e forrado em veludo vermelho vivo. Não quis levantar-me de imediato pois precisava pensar sobre o que aconteceu... aquela história de nos conhecermos de outras vidas e de vampiros aparecendo sabe-se lá de onde. A bem da verdade, acordei tão atordoado que nem me dei conta de que havia acordado em um lugar em que nunca estive antes, apesar de que eu me sentia como se ali fosse a minha casa.
- Levanta, Maxim! Sai daí porque desse jeito você acaba perdendo a noite - Rose arrancou a tampa do caixão, tirando-me de meus pensamentos.
- Ah, garota, vai pro inferno! Não tenho a menor vontade de sair agora.
- Hora de se alimentar, criatura! - ela pegou minha mão e, com um puxão bruto, arrancou-me do caixão aveludado. Já que eu havia me levantado, resolvi dar uma volta pela casa, que era de muito bom gosto. Rose me conduziu por um corredor estreito que terminava em um alçapão.
- Sem escada, Rose? Boa estratégia de sua parte. Quem entra não pode sair.
- Vamos? - De um salto, saimos pelo alçapão que dava direto para o quarto de Rose. Um quarto de paredes de cor lilás, a mistura da paixão, da volúpia e da violência do vermelho, com a frieza do azul. Era a cor perfeita para refletir a personalidade daquela vampira cortês. Passei pelo quarto azul celeste de Guilherme, que me disse que Danielle estava dançando de forma "vampírica" e que não adiantava tentar falar com ela. O térreo da casa era bem normal, digo, em padrões humanos. Apesar de rustica, tinha amplas janelas e a luz poderia entrar facilmente durante o dia.
- Vamos nos alimentar, Gui. Está com fome?
- Sim. Vou com vocês.
- Eu não vou beber esta noite, mas vou assistir a tudo. - realmente não havia necessidade de ingerir sangue.
Cada um procurou sua própria vítima e, ao contrário do que eu pensei, Rose não era exatamente... piedosa com suas refeições, chegando até a ser cruel. Devo expressar o meu estarrrecimento com relação ao pequeno Guilherme, porque não me parecia capaz de fazer mal a uma mosca, tanto pela aparência angelical de seu rosto como pela sua pacificidade notória. Foi um engano colossal. Ele não titubeou quando precisou agarrar aquela mulher e morder seu pulso e, honestamente, ele me pareceu um especialista em beber sangue pois fazia tudo com tanta sutileza que não percebi um sinal de sofrimento na mulher que perdia a vida. Aquele pequeno sabia jogar charme para conquistar as pessoas e isso facilitava o seu trabalho... era um pequeno gentleman. Eu simplesmente não pude resistir àquela cena toda e resolvi beber também.
- Ei! Por que não me chamaram? - Danielle pareceu materializar-se atrás de mim.
- Mas que inferno, mulher! Não pode anunciar a sua chegada?
- Deixa de ser chato, Maxim! Você deveria ficar atento enquanto se alimenta.
- MÃE! - Guilherme correu com os braços abertos em direção à Danielle - Mãe, ainda tem sangue naquela mulher. Quer um pouco?
- Não, amorzinho. Ela é toda sua! - ela lhe deu um beijo e ele voltou para continuar a beber.
- Toda essa melação me deixa enjoado! - de fato me deixa enjoado. Não estava sendo teatral.
- Não foi isso que eu vi em sua mente. - ela alterou o timbre e a amplitude de sua voz, fazendo-a se parecer com a minha - "Você me é precioso, Antinko. Não sei ser sutil...não faz parte de mim e apesar disso, você consegue fazer com que eu seja delicado ao menos com você. Não sei como consegue isso de mim."
Nesse momento, tive uma vontade imensa de arrancar seu coração através de seu peito. Odeio quando debocham de mim e estava pronto para investir contra Danielle, mas Guilherme tocou em minha mão, ao perceber o que eu faria e assim eu me contive, engolindo o ódio momentâneo.
- Vim te buscar, Maxim. Lembra-se que devemos conversar sobre o passado?
- Hunf! Eu vou somente porque estou curioso quanto a isso. Vamos logo! E vocês dois, cuidem-se!
- Pode deixar, Max, eu vou cuidar da minha irmã! - Guilherme sorriu.
Danielle e eu passávamos como sombras por entre as pessoas na rua. A Lua que brilhava dava um aspecto único à pele daquela mulher que me acompanhava. Um mortal certamente se apaixonaria por ela facilmente, como certamente aconteceu com muitos. Adentramos a casa que eu vira pelo começo da noite, mas fomos direto para o quarto de Daniele, que era roxo vibrante... tão vibrante quanto a própria Danielle. Em seu quarto havia duas estátuas de mais ou menos 2 metros de altura, de dois deuses antropozoomórficos, como se fossem um cervo e uma corsa belíssimos. Com sua força inumana, Danielle empurrou as estátuas para lados opostos, revelando uma abertura na parede que dava para um túnel.
- Claro! Se não fossem estátuas, seriam quadros, estantes com livros, tapetes com alçapões... tão óbvio!
- Você é irritante as vezes, sabia? Sim, é óbvio, mas peça para que humanos empurrem essas estátuas de mármores...agrupe vinte deles e observe. É óbvio, mas é fácil para mim e difícil para invasores. Eu empurro as estátuas, eles não!.
- Afastar os deuses, empurrá-los para longe... o poder de afastar os deuses... isso é tão simbólico...
- Venha, meu querido, há muito o que dizer! - Ela acariciou meu rosto e me conduziu pelo túnel, que terminava em um tipo de buraco e sem escadas. Um humano morreria ao pular de onde estávamos.
Lá embaixo havia uma câmara que parecia mais um buraco mal escavado - a iluminação irrisória de uma vela prejudicava até mesmo minha visão - poré, enquanto adrentávamos, percebi que aquele lugar fora entalhado em rocha firme, pois sentia o frio das pedras que nos cercava. Ouvi o gotejar da água, que me pareceu cair em uma poça gigante... talvez uma lagoa e o perfume das flores inundando minhas narinas.
- Preciso de um pouco de luz aqui, Max.
- E eu por acaso pareço ter uma lanterna ou ser bioluminescente? - Desta vez eu fiz para irritar.
- Não, criatura irritante! Faça aquele truque de pirogênese. Você pode fazê-lo, eu sei.
- Está bem. "E Deus disse: faça-se a luz! Então o céu se iluminou..." - com o estalar dos meus dedos, o fogo apareceu em archotes nas paredes.
- Perfeito! Ouça, você é sarcástico demais! Tudo isso é amargura?
- Mantenha essa boca fechada! Só me responda: para que archotes? Já existe luz elétrica, sabia?
- Este ambiente foi mantido o mais natural possível, para que eu pudesse manter-me conectada à natureza e para poder manipular energia como sempre fiz. Aqui há mais do que você pode ver neste momento.
A luz dos archotes iluminou amplamente a caverna, como se o Sol brilhasse lá dentro e pude ver, ao meu redor, as mais diversas flores e insetos. No teto, pequenos cristais reluziam como estrelas naquele céu subterrâneo e refletiam no lago que ali se encontrava. Simplesment caí de joelhos, maravilhado com tudo aquilo e, vendo ao longe, novamente estátuas dos dois deuses.
- Este lugar é perfeito, a obra-prima, a pintura definitiva! - senti que chorava, manchando de vermelho o lírio branco entre meus dedos.
- Você viu só a beleza física, Maxim. Preciso que você se desligue do seu corpo para que esta conversa prossiga.
- Como...
- Viagem astral! Feche os olhos e tente relaxar. Alivie sua mente, desligando-a deste mundo.
- Eu não sei se...
- Faça logo o que eu disse!
Fechei meus olhos e o que podia perceber eram somente sons e aromas daquele ambiente preparado mas que parecia tão natural... como se ali fosse o Vanaheim. O aroma das flores e seu leve farfalhar, o gotejar da água, os insetos que voavam caoticamente. Danielle pousou sua boca em meu pulso, bebendo meu sangue e dando o seu para mim logo em seguida. Este pequeno ritual nos uniu definitivamente, se já havia laços entre nós.
Danielle começou a falar em tempos antigos, egito, suméria, babilônia, china, roma, grécia. Druidas, magos, sacerdotes, feiticeiras, criaturas elementais. Sua voz parecia ficar cada vez mais distante e eu senti meu corpo relaxar, como se eu fosse dormir ali mesmo, sentado entre as flores - campos elíseos? - e não senti mais nada.
- Abras os olhos, Maxim! - Quando a luz do fogo preencheu minhas retinas, percebi que flutuava e eu vi meu corpo sentado na posição de lótus.
- O que...?!
- Sua alma, Maxim. Você conseguiu! Meus olhos viram o que não puderam ver antes: pequenas luzes que rodopiavam ao me redor, como em uma dança de um sabá.
- O que são essas luzes, Danielle?
- Silfos, os elementais do ar.
- Já ouvi falar mas...
- Você também nunca acreditou em vampiros, acreditou? Olhe para você agora. As pessoas são cegas ao multiverso que as cerca.
Olhei para as estátuas e a deusa-corsa estendeu os braços para mim, abrindo um sorriso e o deus-cervo fez o mesmo com Danielle. Nossas almas foram puxadas para os braços dos respectivos deuses. Posso dizer que nunca senti tanta paz e tanta segurança antes, nem mesmo com as minhas atuais habilidades que me tornam praticamente intangível. Nos braços da deusa-corsa, comecei a ver sucessões de imagens de vidas passadas e enfim entendi o que há entre
Danielle, Rose, Guilherme e eu.
Mas agora eu já cansei de perder meu tempo com vocês, criaturinhas medíocres. Vou me
recolher pois o Sol está para dominar os céus. Talvez eu continue meu relato....talvez!
Maxim
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