quarta-feira, 6 de abril de 2011

Advogado do Diabo - A Testemunha


Ora, esta voz está certa. Eu, o Advogado, invoco uma testemunha que sabe bem o que é feito em nome deste Deus que tanto veneram. Advirto-os que seu corpo não se encontra em um estado...como direi....apresentável e tampouco seu espírito alcançou a paz prometida, então ele se encontra preso no limbo. Esta testemunha, a quem eu prefiro chamar de vítima pois é isto que ela é, se auto-entitula "Revenant".

Aqui entra a testemunha/vítima, como queiram. Anda a passos lentos, arrastados, com a carne pútrida estalando como se suas fíbras fossem arrebentar-se. O Revenant não dá um passo sequer, sem que haja um gemido agonizante. Eu, o Observador, retirar-me-ei e a palavra passará à testemunha.

- Não lhes desejo boa noite, senhoras e senhores, porque há muito não sei o que é isso. Não lhes peço para olharem meu rosto porque ele já não existe mais. Tudo o que possuo é essa massa de carne e ossos negros como betume, então dêem atenção somente à minha voz.

Eu era um garoto que frequentava a igreja e ainda costumava ajudar com todo o tipo de tarfa lá dentro. Meus pais consideravam que aquele ambiente era seguro, então, desde que eu estivesse na igreja ou com algum dos pastores, não havia problema algum...e pensar que meus pais criticavam tanto a igreja católica por causa dos padres e dos podres...é até engraçado!

Bem como eu dizia, era praticamente o assistente do pastor e constantemente ele me convidava para visitar a sua casa como ele visitava a minha, inclusive para o jantar em família. Mas com o tempo, meus amigos começaram a achar estranho a forma como o pastor me olhava, que ele me olhava diferente... e eu não acreditei! Confiava cegamente no pastor. Ele era um homem de Deus! Como poderia ser um olhar diferente? Era um olhar de afeto...tinha que ser! Deus não permitiria que um homem "desviado" falasse em seu nome... não era possível! Ah, meu melhor amigo é ateu e foi ele quem disse isso. É claro que ele dizia aquilo porque tinha raiva da igreja e do pastor...ele queria que eu deixasse a igreja também...sim...é isso...isso!

Eu sou o Observador. Parece que nosso amigo está um pouco perturbado, não?

-Antes eu tivesse dado ouvidos ao meu amigo. Uma noite o pastor me chamou para ficar na igreja um pouco mais, para terminar de arrumar o salão e já preparar tudo para o outro dia. Quando terminamos e eu já estava de saída, ele alegou que era muito tarde para que eu fosse para casa e sugeriu que eu dormisse na igreja. Aceitei pois confiava nele e liguei para os meus pais avisando o que acontecera. Ao adentrar no quarto, percebi que só havia uma cama de casal porém o choque não sobrepujou a confiança, então deitei junto com o pastor e adormeci. Acordei no meio da noite, com pés e mãos amarrados, além da boca amordaçada enquanto um dos hinos da igreja tocava. "Eu sou um arauto do Senhor", ele repetia enquanto me despia e abria as minhas pernas. "E preciso saber se você é puro", ele se deitou sobre mim. "Se você for impuro, sentirá a dor que a espada do Senhor provoca nos pecadores". Eu senti uma dor... não só dor física, mas uma dor moral, a dor de quem não é respeitado. Ele foi tão....direto e aquilo era tão vergonhoso para mim! Eu não pude chorar ou me mover devido ao choque... uma letargia absurda tomou conta de cada fibra e cada nervo do meu corpo.

Depois ele começou a chorar e a dizer que eu era um anjo preso em um corpo humano e que deveria voltar ao céu. Alegava que, antes de ir para o céu, deveria expurgar os pecados inerentes à carne humana e que faríamos isso através de uma Fogueira Santa. Me levou, juntamente com alguns outros membros da igreja, pra algum lugar aberto, que eu não reconheci e lá me amarrou, despido, ao pé de uma árvore velha. Começou a despejar combustível enquanto cantava algum outro hino. "Eu o perdôo em nome de Jesus Cristo, nosso senhor! O Fogo do Espírito Santo possuirá seu corpo e você ascenderá aos céus!" - assim ele ateou fogo à árvore. A última coisa que meus olhos viram, foi a face inalterada e inexpressiva do pastor, juntamente com o êxtase que se encontravam os ministros da igreja, que gritavam "Aleluia".

Após este dia, reneguei e passei a odiar esse Deus! Pelo menos as lágrimas que ainda restam em mim, servem para resfriar esta carne que ainda parece arder.

O Observador não reage...todos se chocam com o relato, as pessoas entram e polvorosa e as vozes se elevam.

É esse o seu Deus? Um Deus de amor infinito que permite que seu servo seja oprimido por um falso profeta? Se há alguém aqui, que seja capaz de falar em favor de Deus, peço que se pronuncie. Deixo em aberto para que O defendam! - o advogado sai de cena.
Ora, meus caros, isto está se tornando interessante...eu, o Observador, encerro aqui este trecho desta história, no mínimo, curiosa.


*Valeu por ter editado a imagem, Irmão o/*

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