‘’A humanidade provou do fruto e
Na alma floresceu o pecado,
Na mente brotou a verdade
E sobre os filhos, caiu a maldição.”
Na noite seguinte eu regressei
com os mesmos trajes do encontro anterior. Angel já estava deitado e eu vi as
marcas de sangue em suas roupas, assim como vi a ansiedade tomando conta de seu
corpo. Novamente as preces ecoando em sua mente, implorando por uma aparição
angelical. Uma rajada de vento escancarou
a janela e lá eu estava parado, em frente a porta. Um vislumbre de um
anjo aos olhos de qualquer mortal.
- Aqui estou novamente, Angel.
- Você realmente veio! –
curvou-se aos meus pés. Eu adorei aquilo!
- Levante-se! Curve-se somente à
presença do Criador e de mais ninguém.
- Veio incumbir-me da missão que
havia dito ontem?
- Não ainda, meu querido – pus a
mão em seu rosto. Primeiro você tem que aprender muitas coisas...
- Que assim seja... qual o seu
nome?
- Meu nome é impronunciável em sua
língua simplória. Escute o vento e ele lhe dirá meu nome, mas você será incapaz
de repeti-lo. Em breve lhe direi um nome pelo qual possa invocar-me.
- Seja feita a sua vontade, meu
anjo!
- Ouça-me com atenção, Angel: a
partir de hoje, lhe ensinarei tudo o que for necessário para a sua tarefa
vindoura. Entretanto, para tal, muito de seu conhecimento será desconstruído e
algo novo será edificado. Você tem a liberdade de aceitar ou não esta missão...
-Eu aceito! – ele interrompeu a
minha fala.
- Mas assim como foi para Cristo,
não será fácil para você também. Ainda sim está disposto a prosseguir?
- Estou! – seus olhos
transbordavam humildade.
- Então nós teremos uma aliança
selada...
- Faço o que for preciso. Sou um
instrumento de Deus!
- Será feita a aliança. Venha
comigo para a floresta!
- Para a floresta? Por quê? Se os
padres me virem, serei castigado.
- Não se preocupe, criança! - eu o olhei com ternura. Sou um anjo e
ninguém lhe fará mal! Aproxime-se de mim e somente confie!
Ele segurou a minha mão e fechou os olhos, como se
um medo súbito o tomasse. Voei pela janela em direção à mata fechada e o vento
quente agitava os cachos dos cabelos daquele belo espécime de mestiço, que
sorria levemente. Ah, como ele era lindo! Ele sim se passaria facilmente por
uma criatura divina. Aterrissei no meio da mata, próximo ao lago onde Angel
gostava de banhar-se.
- Angel, reconhece este lugar?
- Eu gosto de vir aqui para tomar
banho...
-E de rezar a outros deuses, não
é?
- Eu ... – ele baixou os olhos e
começou a chorar. Não nego que sorri e me encantei com aquele momento. A mente
daquele jovem foi assolada por imagens de sua alma queimando no inferno por
causa desta heresia.
- Não chore! – beijei uma de suas
lágrimas. Isto não é pecado. A Deusa da Lua escuta suas preces e lhe ajuda
conforme ela pode.
- Não há um só deus? Não é pecado
adorar outros deuses?
- Eu lhe disse que muito seria desconstruído,
mas antes de iniciarmos esta conversa, precisamos selar a nossa aliança.
- O que devo fazer?
- Dispa-se e mergulhe naquele
lago!
- Despir-me? Mas eu não deveria
mostrar certas... coisas... muito menos na presença de um anjo!
- Não tema! Não será vergonha ou
pecado.
- Mas...
- Se não sente-se capaz disso,
irei aguardar um próximo que possa cumprir tudo o que lhe for pedido...
- Tudo bem, eu faço! É só que... –
ele baixou os olhos, mas ainda sim tirou as roupas. O corpo dele era perfeito,
apesar de algumas cicatrizes. Os músculos começando a desenvolverem-se, o peito
mais largo, o pescoço liso, o rosto sem barba, mas com pelos finíssimos quase invisíveis...
posso afirmar que ele tinha um tamanho perfeito: nem grande, nem pequeno.
- Agora mergulhe no lago e faça
uma prece. Depois saia do lago! – assim ele fez e a água deu um brilho e um
tipo de contraste ao seu corpo. Mortais, seus olhos são incapazes de perceber
detalhes tão sublimes...
Logo que Angel saiu da água, eu o
fiz deitar sobre um tipo de estela que ali estava há muito tempo.
- O que pretende fazer?
- Selar a nossa aliança...
- Como vai fazer isso?
- Com o seu sangue. – disse-lhe
com naturalidade e suavidade, olhando ternamente e ele olhou de volta,
relutante e assustado.
- Com o meu sangue? – ele encolheu-se,
como se isso pudesse protegê-lo.
- Não confia em mim?
- Eu...
- Lembra-se de Abraão?
- Sim. Ele foi testado...
- Não será todo o seu sangue. Não
confia em um anjo do Senhor?
- ... -ele desviou os olhos e seu coração acelerou.
- Angel, o sangue é o rio de vida
que corre em seu corpo. Ele carrega parte de sua essência. Com um pouco do seu
sangue em mim, nós estaremos conectados e a aliança será feita. O sangue é a
vida que O Criador lhe deu. Não a tomarei toda.
Ele simplesmente fechou os olhos,
como um sinal de acordo e eu bebi um gole de seu sangue. Muito me foi revelado...
eu havia descoberto sua alma de fato. Com as gotas de sangue, vieram as
sensações e as lembranças tão frescas quanto se eu as tivesse vivido. Um ritual
aborígene de colheita, ritual de sacrifício, sua primeira arma de guerra... os
brancos desembarcando de suas enormes bestas do mar feitas de madeira. Mas a
sua inocência e a sua ignorância... elas são fruto de uma vida confusa... da
ausência de alguém que lhe ensinasse, já que era filho bastardo e sua mãe
conhecia somente a rotina da lavoura, do lar e da religião. Por isso Angel
seguia tão cegamente aqueles padres. Seu
coração rufava como tambores tocando uma marcha de guerra e, logo em seguida,
começou a bater lentamente até que Angel
desfaleceu.
- Acorde, meu querido! – eu beijei
sua testa com delicadeza.
- Já... está... feito?
- Sim! Não levante-se agora, pois
o seu corpo ainda está fraco. Devo deixá-lo pois regressarei a falange à qual
pertenço e amanhã a noite nos encontraremos novamente. Antes de ir, devo lhe
dizer algo: anjos não são como os mortais retratam e a bíblia não foi feita sob
as ordens de Deus.
- Como? – Seus olhos se
sobressaltaram e Angel ficou parado, olhando enquanto eu desaparecia por entre
as nuvens.
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