sábado, 14 de janeiro de 2012

Corvo



O corvo pousa na janela da casa vazia e observa as pessoas que passam correndo nas ruas pouco iluminadas.
Como são comuns, frágeis, loucas, vazias...desnecessárias...
A Lua brilha intensamente no ápice da esfera celeste salpicada de estrelas.
As gotas de chuva caem como pequenos cristais brilhantes...

"O céu está se desfazendo,
 A maior de todas as estrelas
 Foi despedaçada e agora cai 
 Tristemente sobre este corvo.
 Milhares de pedaços estrelares,
 Sobre estas penas negras,
 Trazem-me a luz."

Uma gota de chuva escorre pelos olhos do corvo, que abre as asas como se quisesse ser abatido por uma flecha.
O vento sopra forte sobre as penas da ave negra, separando-lhe a alma do corpo. A matéria se mantém estática no parapeito da janela, os olhos parecem ver além...

"O vento soprou e para
 Dentro de mim me levou.
 Passei pela vasta vida da floresta,
 Pela escassa vida do deserto,
 Pela densa treva interior,
 Pela intensa luz e seu calor
 E lá no fim do túnel, algo assombroso:
 As densas e negras penas de um corvo."

- Sou eu?
- Sim, eu sou você e você sou eu. Sou sua vontade, seu desejo, seu amor, sua saudade, seu ódio...sou tudo o que você não controla.
- Eu...eu...
- É assustador olhar para si mesmo, não é? Tem tanta coisa que você esconde de você mesmo mas que, no fundo, sabe que está lá.

Três lágrimas escorrem dos olhos do corvo.

- Estas três lágrimas são três sentimentos que estão mais intensos em você.
- Sentir...isso é tão ruim!
- Não é ruim...não todos eles. Só assustam porque não se pode controlá-los e você odeia não poder controlar as coisas.
- Odeio não poder controlar mas...estranhamente, gosto de sentir o que sinto...
- Você está mudando e sabe disso. Você aprendeu a olhar dentro de si mesmo e aprendeu a perceber coisas tão sutis, que mais parecem invisíveis.

As três lágrimas se transformam em pérolas... três sentimentos raros, belos e intensos...

"Meus olhos revelam o que
 A minha alma deseja mostrar.
 Três belas péroloas brancas
 A alguém especial vou entregar.
 São pérolas que, de tão, especiais 
 Outras destas não surgirão jamais.
 Minhas pérolas são fruto do meu interior.
 Elas representam gratidão, lealdade e o amor."

O vento soprou forte e o corvo voltou a si...

"O vento soprou outra vez
 O mundo surreal se desfez
 Procurei em meu interior
 E lá encontrei o amor."

As três pérolas se encontravam aos pés do corvo negro, que as carregou em suas patas e em seu bico. Levou-as para a copa de um salgueiro e lá as envolveu em suas folhas verdes de aroma intenso, trabalhando com o mesmo cuidado que tinha para com as suas penas após uma noite chuvosa.
O corvo voou alto, em direção a Lua e pediu que ela abençoasse o seu presente. Ela, tão bela e tão radiante, banhou as pérolas com sua luz fria...

- Obrigado, bela Lua, por este grande favor. Você, com toda a sua beleza e graça, de bom grado abençoou estas pérolas tão simples com a sua luz especial.
- Pássaro da noite, não é necessário agradecer! Eu posso sentir o quanto ela é especial para você e o quanto pôs de energia nestas esferas. Quando entregar este presente a quem o mereça, estas pérolas vão brilhar com a minha luz e conter o seu calor. Voe depressa, ave soturna e entregue estas jóias a quem deve usá-las!

O corvo bateu as asas até chegar em uma casinha fechada. O corvo entrou pela janela e viu a quem deveria dar as jóias.

"Minha querida, perdoe a intromissão
 Mas com urgência vim lhe dar o coração.
 Este pássaro negro veio para entregar
 A alma na palma de sua mão.

 Não deboche desta ave estabanada
 Que tão ruborizada, veio lhe dar
 Estas pérolas tão mal ornamentadas.


 À estas pérolas nada se igualará
 Pois elas vêm de um lugar mais
 Longe e mais profundo do que 
 O Fim do Mundo.


 Este presente brilha como a Lua
 E é quente como o próprio Sol.
 Espero que à elas não tenha horror.
 Elas são tão especiais e em suas 
 Mãos, minha querida, entrego
 A minha gratidão, o meu respeito e o meu amor..."

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