sábado, 6 de novembro de 2010

Papo Furado



- Onde estou ? – A voz era um pouco gaga, rouca.
- Bem longe de sua barraca, menino. – A voz que respondeu era grave, possuía um sotaque russo carregado.
- Quem é você ?! Onde estou ?! O que quer ? – O desespero da voz do garoto era notável. Ele agora soluçava e dava gemidos de dor, tinha quebrado o pé.
- Muitas perguntas de uma vez só. Vejo que na sua fuga, quebrou o seu pé. Dói, não ? Eu uma vez também quebrei o meu pé...
O menino ficou em silêncio, encolhendo-se em algo que reconheceu sendo uma parede. Estava bem escuro. Ele esfregou os olhos uma vez e um pouco a mais de claridade chegou nas suas órbitas e repetiu o processo mais quatro vezes até que ouviu a voz grave falar;

- Oh! Que indelicadeza a minha, vou ligar a outra lâmpada, menino, não esfregue tanto seus olhos. – Então por cerca de três segundos após a voz dizer aquelas palavras, o lugar ficou completamente iluminado revelando a aparência do tal homem de voz misteriosa. Ele de fato era alto, muito alto.

Tinha cabelos negros até os ombros e seus olhos eram escuros como ônix e uma pele absurdamente branca. O menino fitou-o diretamente nos olhos, mas eles não diziam nada. Estavam... mortos. – Eu sou Krigor, meu nome é russo e significa “aquele que vive na taverna”.

- Porque você me caçou, Krigor ?
- Uma pergunta de cada vez. Bom, porque é a minha natureza.
- Sua natureza ? Como assim ?
- Eu sou um vampiro, menino. – Krigor então suspirou. Ele odiava falar aquilo, era tão desnecessário. Mas o menino havia perguntado, era sua honra responder.
- Vampiros não existem... – O menino ficou pensando um pouco, mergulhando em suas memórias. Imaginou se aquilo era um sonho ou se era real mesmo.

Como podia ? Vampiros são lendas, fantasia. – Como você... transformou-se em um vampiro ? – O menino perguntou relutante, mas a curiosidade o tinha dominado.

- Que tal eu contar a história sobre como quebrei meu pé ?
- Mas como isso é relacionado com sua transformação ?
- Não poderia calar a boca e escutar ? Eu ainda sou o predador aqui, criança. – Krigor então sorriu maliciosamente ao garoto numa tentativa de

colocá-lo em pânico novamente.
- Você vai me matar ?
- Escute a história e eu não farei nada com você.
O menino suspirou. Como poderia confiar em uma criatura daquelas ? Ele não tinha escolha no final das contas, era melhor ouvir a história do misterioso que se nomeia vampiro.

- Ótimo! Bom, isso foi a muito tempo atrás. Eu tinha 25 anos e trabalhava como lenhador, junto com meu pai, era a profissão da família.

Um dia chuvoso meu velho pai estava doente e eu fui trabalhar sozinho, tinha que sustentar minha mãe mais três irmãos pequenos. Eu trabalhava normalmente até que senti algo me rondando. Pensei que era uma fera das florestas, uma das muitas feras que havia lá. Foi quando eu vi alguém com um manto negro, uma criatura muito bela que saiu dos arbustos. Caiu na minha frente e eu, como era de costume, corri para auxiliar. Era uma linda mulher, branca como a neve e com os cabelos mais vermelhos que sangue, um anjo eu diria. Ela sorriu para mim, quando senti algo mordendo meu pescoço. Era ela. Como uma criatura daquelas estava fazendo isso comigo ? Ela tinha presas, igual aos lobos!

Ela me soltou e eu comecei a correr. Corri, corri e corri. Eu corria pensando na minha família, principalmente no meu velho pai. Meu peito já queimava por dentro e fiquei tonto, o mundo girou por um segundo e eu tropecei numa pedra.

Ouvi o estalo dos meus ossos do meu pé se rompendo. Gritei de agonia e quando olhei para frente, ela estava lá. Como era tão rápida ?! Eu continuava me arrastando, até que ela me pegou e perguntou numa doce e angelical voz “Porque ainda tenta fugir, querido ?”. Respondi tudo, vomitei sobre ela toda a minha vida praticamente em poucas palavras. Eu esperava a morte, a dor do meu pé era insuportável, a dor de existir era insuportável. Ela, então, sorriu e sussurrou algo no meu ouvido em outra língua que eu não entendia e me mordeu. Eu senti a vida deixando meu corpo, foi uma sensação boa de alguma forma.

- E então ? – O menino estava vidrado, visualizava cada cena como ele descrevia, deixando a imaginação fluir.
- E então eu fui transformado.
- E o resto ? Seu aprendizado ? Conte-me!
- Acho que não, minha fome está muito grande.
- Espera ai... Você não vai... Vai ?!
- É, eu vou. – Krigor então mostrou suas presas, sentindo prazer em exibi-las ao ingênuo garoto, estava realmente faminto.
- Porque você mentiu para mim ?!
- Apenas queria bater um papo. Como os jovens dizem atualmente, “soltar um papo furado”.
- Por favor, não... – Lágrimas escorreram dos olhos do garoto, suplicando à criatura. O vampiro pulou sobre o garoto que berrou e alguns segundos depois encontrou o vácuo eterno, ficando perdido nele para sempre.

*Texto feito pelo Vee, que contribui mais uma vez com o Anima. Spasibo, mano Vee *

Um comentário:

  1. a inocência, a curiosidade (mesmo diante da morte) e a extrema fragilidade da presa...a malícia que desperta fascínio na criança (pq ele podia simplesmente ter matado ) amei seu texto *-*

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