terça-feira, 12 de março de 2013

O Bruxulear da Mente III


Esta noite a Lua não se mostrou como costuma se mostrar. É uma daquelas noites em que, séculos atrás, os mortais acreditavam que o demônio estava a solta e que buscava almas, além de virgens para copular e aumentar sua legião de filhos diabólicos.

Esta mesa de madeira rústica e escura, mas entalhada com motivos de rosas com longos caules espinhentos, é mais uma vez iluminada pelo brilho bruxuleante da vela branca - talvez a única coisa realmente pura neste lugar - e os papéis estão novamente aqui jogados. A luz elétrica, apesar de milagrosa, não é nada charmosa como uma vela. Não tem o brilho encantador e nem a atmosfera mágica, que pode tanto ser tranquilizadora quanto aterrorizante.

Nestes tempos há a caneta esferográfica, que eu uso em público, mas ainda prefiro a velha pena macia de ponta rígida embebida em nanquim. Meramente charme - alguns chamariam de "retrô" ou até mesmo "vintage" - e gosto pessoal. Mesmo após viver e me adaptar à modernidade, ainda busco manter algo de minha época de origem que também possuía seu charme.

Estou novamente imerso em mim mesmo. Imerso em minha alma tingida de vermelho-sangue e em meus pensamentos sordidamente geniais. Em minha mente e em meu coração, há um caleidoscópio de vidas girando. Vidas sugadas pelas minhas presas brancas como o mais fino marfim. Para um mortal e talvez para  muitos dos vampiros, isto seria um tormento. Mas para mim, é a mesma sensação de um mortal que adentra um bar à noite e se entorpece com os mais diversos sabores de álcool inventados. Do fermentado ao destilado.

Esta noite eu senti saudades de tempos remotos e, assim sendo, vesti meus trajes antigos e cobri-me com minha capa de veludo vermelho. Formidável! Majestoso! Um verdadeiro rei! Sim, este sou eu em meus trajes de época. Um vampiro, ao longo dos séculos, deve ocupar sua mente afim de evitar a insanidade que destrói tantos de nós. Atravessar milênios é uma espada afiada e pesada como uma claymore...mas pode ser graciosa como um florete...depende somente da astúcia do vampiro.

Agora estou aqui, escrevendo nestas folhas brancas como as nuvens de verão, manchando-os com o negro da minh'alma. A luz da vela, por vezes, causa dor em meus olhos. É uma luz brilhante e incômoda. Mas é bela...belíssima. Esta é a perdição de um vampiro...é a minha perdição: a beleza. O pavio estala e fagulhas saltam, como se fossem salamandras fazendo notar sua presença. O fogo que me atrai, me é mortal...mas é belo e me atrai.

Assim é também com qualquer outra coisa. Desde que seja bela, não me importa se é mortal. Eu a terei, nem que seja por alguma fração ínfima do MEU tempo, mas eu a terei. Meus olhos sempre perscrutam na vastidão do mundo, a maior das belezas para que eu possa possuí-la. Minha mão sempre tenta tangir o que  é belo, mesmo que isto me cause dor -e quase sempre causa. A pequena luz da vela, que bruxuleia sobre a mesa, projeta uma imensa sombra atrás de mim. Uma sombra quase sempre atormentadora. E assim é a beleza. Ainda que seja pequena, eu a quero e eu a tomo para mim...mesmo que esta beleza projete algo  atormentador atrás - ou dentro - de mim.

Eu sempre procuro a beleza que há no mundo, mesmo sabendo que ela pode me destruir. Eu poderia ver a luz do Sol uma vez mais para, logo em seguida, ser imolado e desaparecer no vento.

Esta vela - pequeno fragmento do Sol, o Fogo-Mor - dança para mim com toda a sua beleza e me causa uma tentação enorme...a mesma tentação que eu causo nos mortais. Assim como a minha beleza é a ruína de muitos mortais, a beleza de muitos mortais é a minha ruína...com o agravante de que eu sou imortal e tudo o que poderia me matar, perpetua-se como um imenso tormento.


Maxim.



* Imagem retirada de http://kathiii.deviantart.com/art/Candle-71353525 *

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