sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Nirvana



- Por que tantos corpos? Por que a morte? Tantos corpos e as pessoas se banham em meio a eles como se os corpos fizessem parte desse rio... - ele tapou os olhos para não assistir àquela cena.
Akash, depois de chorar por algum tempo se levantou e saiu caminhando, ainda perdido e confuso, pelas vielas ao longo do Rio Ganges. Caminhou por horas e durante este tempo viu ratos e crianças brigando pela comida, viu corpos esqueléticos à beira da morte, viu mulheres em trajes coloridos, viu mulheres usando farrapos. Deparou-se com um homem que andava com pinturas simbólicas pelo corpo mas despido de toda a roupa.

- O que é você?
- Eu sou um  monge jainista. Somos muitos aqui na Índia...
- Mas você não usa roupas, não carrega dinheiro...como vive?
- Eu vivo com o dinheiro que me deixam, garoto. Eu me preocupo mais com o meu espírito. É ele quem deve ficar bem para que eu acabe com os meus kharmas. Sou um...guru espiritual, assim digamos.
- E o que tem a ver despir-se de suas vestes? O que é Kharma?
- Eu reneguei a todos os bens materiais e busco alimentar essencialmente meu espírito. O dinheiro que ganho, uso só para obter alimentos.
- Mas se você usa o dinheiro, está se valendo de bens materiais, não?
- Sim, você está certo. Porém eu sou eremita que não usa sequer roupas...eu faço sacrifícios para poder evoluir espiritualmente e atingir a luz plena. Fazendo sacrifícios, posso aliviar meus kharmas, ou seja, vou reduzindo o número de reencarnações que terei de viver.
- Ah...sim...agora faz sentido. Atingindo a luz, você terá o conhecimento necessário e talvez até deixe de reencarnar nesta terra!
- Exatamente!
- Senhor, posso seguí-lo?
- Isto não é uma vida fácil, garoto. Serão somente sacrifícios e você nunca terá certeza de quando comerá ou se banhará, seus pés irão se ferir, seu corpo pedirá uma cama macia...mas você não terá nada disso!
- Estou ciente disso, senhor, mas eu também preciso de conhecimento, de luz. Eu preciso entender o sentido da vida...já chorei tanto às margens do Ganges por não entender tudo o que me cercava. Talvez eu possa entender tudo isso quando me despir do material e viver essencialmente do espiritual.
- Então tudo bem. Venha comigo mas doe suas roupas para o primeiro necessitado que vir.

E assim foi. Assim que teve chance, Akash doou suas roupas e seguiu aquele estranho jainista. Conviveram por quatro anos perambulando por toda a Índia, mas mesmo depois desse tempo, o garoto ainda não havia encontrado a resposta que buscava. Certa vez, Akash e o monge encontraram um homem muito estudado e, depois de muita conversa o garoto pensou que se os espiritualistas não poderiam lhe dar a resposta que buscava, talvez os acadêmicos pudessem fazê-lo.

- Diga-me, professor, por que há tantas mortes e tanto sofrimento no mundo?
- Siga-me e eu lhe direi todas as respostas para todas as suas perguntas.
- Não sei se devo...o mestre me ensinou por tanto tempo...não sei se é justo e...
- Vista suas roupas e vá com o professor, garoto! Se não está satisfeito com o conhecimento que obteve, busque mais conhecimento até que esteja satisfeito. Isto é buscar a luz...vai saber quando ela brilhar sobre você.
- Obrigado, mestre! Obrigado por tudo e que o senhor alcance o que busca!
- Vá em paz, garoto...você cresceu muito.

E Akash foi com o acadêmico para uma cidade maior na Índia. Na casa deste professor, o garoto teve acesso à uma vasta biblioteca e aprendeu muito sobre todo o mundo, incluindo muito sobre a própria Índia tão desigual em que vivia. Enfim Akash sentiu-se apto à refazer a pergunta que tanto lhe atormentava.

- Professor, porque há tanta morte e tanto sofrimento no mundo?
- A morte é um processo natural da vida e todos morremos um dia. O sofrimento existe porque as pessoas passam necessidades...as vezes sem roupas, sem alimentos, sem educação, sem um abrigo, sem dinheiro e ainda há as moléstias que assolam a humanidade.
- Se os acadêmicos sabem os motivos do sofrimento, por que não acabam com ele? O senhor acabou de dizer-me tudo o que causa sofrimento...é só dividir o dinheiro, o alimento, construir abrigo para todos, tratar das doenças que podemos tratar, permitir que todos frequentem escolas sem que precisem pagar por isso...e depois da morte vem o que? Não é possível que passemos por tudo isso para que esse conhecimento seja jogado fora!
- Não sei o por que desse sofrimento não acabar...mesmo que conheçamos as suas origens...os ricos não dividem com os pobres, quem tem  algo quer sempre ter mais...e a morte é o fim.
- Não pode ser...não pode ser! Professor, devo deixá-lo e buscar mais conhecimento até que eu obtenha as minhas respostas. Obrigado por tudo!
- Tudo bem, garoto, vá e busque o que anseia...mas acho que não irá encontrar nada que eu não tenha lhe dito. Sou o maior acadêmico deste país! De qualquer forma, empenhe-se bastante para alcançar o que busca.

Lá se foi Akash sozinho novamente, caminhando e perambulando em meio à todo o tipo de gente para buscar as respostas que buscava. Ele percebeu que aprender muito mais com as pessoas com quem conversava nas ruas, do que com os "mestres". As pessoas nas ruas tinham uma humildade extrema e que lhes era espontânea...elas ensinavam através das boas conversas e com um chá para beberem.

"Os que nunca ou que pouco estudaram, são so que têm mais a oferecer. O conhecimento que têm é oriundo da experiência e da vivência, não de livros. O seu conhecimento vem junto com a humildade que os acadêmicos não têm...a sua humildade lhes é inata e não aparece como uma tentativa de diminuir seu kharma. As ruas têm mais a oferecer do que os templos ou as escolas"

Akash sentou-se à beira de um rio, recostado no tronco de uma árvore que farfalhava ao sabor do vento constante e ali começou a meditar. Ali parou para pensar em tudo o que havia visto e tudo que havia aprendido...ali a luz começou a aparecer e Akash começou a sentir-se satisfeito. Ele entrou em um estado alfa tão intenso, que não se movia, sua respiração ficou lenta, o suor não escorria mais com tanta frequência, a água já não lhe fazia tanta falta e a comida menos ainda.

Quando ouviu a flauta de Krishna, Akash abriu os olhos. viu que estava em um lugar diferente e que se sentia bem mais leve.

- O que aconteceu? Onde estou?
- Você buscava o conhecimento e o atingiu. Você não está mais entre os humanos.
- O conhecimento leva à morte? Não entendo, Krishna!
- Não, minha criança. O conhecimento o trouxe à luz e você está entre os deuses agora. O tipo de conhecimento que você atingiu está acima daquele ao qual os humanos geralmente são capazes de obter...você entendeu o sentido da vida.
- Então por que fui arrebatado? Eu poderia transmitir o sentido da vida às outras pessoa e tornar o mundo um lugar melhor!
- Você entendeu o sentido da SUA vida. Cada vida tem um sentido próprio e não há como você compreender o sentido de todas as vidas.
- Então...eu...não tenho mais Kharmas?
- Não. Você se livrou deles e agora viverá em meio aos deuses.
- Mas o que aconteceu com o meu corpo?
- Vou lhe mostrar. O seu corpo se tornou o que ele era pra você, o que a humanidade e a existência terrena eram para você...

Quando viu o que seu corpo havia se tornado, Akash entendeu tudo de fato e naquele instante, atingiu a iluminação absoluta, Krishna sorriu, tocou sua flauta e começou a dançar alegre como sempre.
Akash teve a visão do seu corpo sentado ao pé daquela árvore...seu corpo havia se tornado pedra, a expressão serena de sua face e entre as suas mãos havia brotado uma flor com milhares de pétalas em tons dourados...

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