sexta-feira, 2 de maio de 2014

Duas Luas

Abri meus olhos e percebi
Que no céu brilhavam duas
Luas opostas, que tocavam-se
As costas curvilíneas.
Amavam-se sem pudores.

Percebi que a loucura
Havia retornado a mim
E o meu espírito condenado
Novamente mostrava-se inquieto.
Creio que mais séculos passaram-se
Sem que eu me desse conta deste tempo.

Toquei meu rosto, minha boca,
Meu corpo, senti meu coração pulsar.
Minha pele ainda branca e gelada,
Minha voz ainda suave e firme.
Fechei meus olhos e olhei para
Mim mesmo, com cautela e medo.

Na minha cabeça, reverberavam sons
De tempos imemoriais e turbulentos.
Segui o conselho do mestre e mantive
A minha mente ocupada e, no entanto,
Ainda sim a loucura retornou repentinamente.

Quando toquei meus lábios e senti
Meu coração não-vivo pulsar,
Percebi que sentia amor...talvez
Mais amor do que quando nasci na noite.
Certamente, mais amor do que quando
Julguei que havia chegado ao ápice
Da capacidade de sentir algo tão nobre.

Desprendi-me do corpo e percorri o
Jardim Selvagem, de belas flores e
Árvores e túmulos em cimento tosco
Os mortos continuavam enterrados...

Não obstante, aquele mausoléu de
Mármore escuro ornado por filigranas mil
E envolvido por trepadeiras e flores,
Encontrava-se escancarado.
Daquela porta emanava uma escuridão fria,
Donde ainda reluzia uma pequena chama
Que tremia pelo soprar do vento cortante.

Depois de tantos séculos, eu tremi!
No céu, ainda brilhavam aquelas duas luas
Opostas, amando-se e irrigando o jardim com
Sua luz cianótica ora quente, ora fria.

Aquela luz, de algum modo, fez meu coração
Pulsar como se eu estivesse com os dentes
Cravados em algum mortal escolhido por mim.

Aquela luz, daquelas duas luas opostas que
Amavam-se sem pudor, me fez cair de joelhos
E mergulhar ainda mais fundo: enterrei-me
Em meu próprio jardim, naquele mausoléu
Guardado por duas faces de mim mesmo.

Com um pouco de dor,
Um pouco de amor,
Alguma dose de pudor,
Um toque de horror,
Enterrei-me sem temor e
Estejam certos, anjos e mortais,
De que eu logo regressarei...
Quem sabe mudado, mas certo de
Que amar-me-ão ainda mais!

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