domingo, 16 de junho de 2013

A Queda do Anjo - Capítulo IV - A Serpente Oferece a Maçã

"E a Serpente ascendeu ao paraíso,
 Trazendo consigo a luz do conhecimento.
 O mortal tomou aquela luz para si e
 Sobre ele se abateu a densa sombra."


Ángel havia recolhido-se e seus belos olhos estavam fechados. Entretanto, sua mente funcionava veloz e muitos pensamentos corriam os rios de sua psiquê. "Gostaria tanto de ver um anjo como aqueles que os padres falam...mostre-me um anjo, Senhor!" ele repetia incessantemente, quase como um mantra que o elevasse ao estado alfa e o revelasse a presença dos servos mais próximos do Pai Celestial. Eu podia ver seus dedos finos apertarem o colchão de capim, deformando-o e uma lágrima reluzente escorreu de seu olho amêndoa-esverdeado. Naquele instante interroguei a mim mesmo se eu já havia desejado algo com tanta intensidade e veracidade. Vocês, mortais que tanto me amam, já desejaram algo com este furor? Em determinado instante, Ángel abraçou os joelhos e chorou em posição fetal por algumas horas. Aquilo me causou estranheza e comoção... porque apesar de todos os séculos de vida, por assim dizer, eu não me recordava de ter visto algo tão puro brotar da alma de alguém. Ainda há algo de humano em mim e isso, as vezes, manifesta-se.
Tudo isso só aumentava a minha vontade de afagar-lhe os cachos para, em seguida, sugar-lhe todo o vermelho do corpo. Decidi que era hora de atender os desejos dele e os meus também. Imprimindo um pouco de velocidade, abri a janela como se o próprio vento o tivesse feito e adentrei o quarto, ficando de pé e em silêncio perto da porta. Apesar da aparente brutalidade, esse movimento foi executado com sutileza e o mestiço não notou a minha presença, até levantar-se para fechar a janela e dar meia volta para deitar-se novamente. Quando aquele par de olhos voltou-se para trás e notou-me parado perto da porta, abriu-se com uma expressão de incredulidade.

- Quem é você? Como entrou aqui?
- Ángel, diga-me o que você tanto desejava!
- Eu...
- Desejava ver um anjo. Pois aqui estou eu...
- Você é um anjo? Onde está a sua coroa de luz e onde estão suas asas? Por que sua pele é tão pálida?
- Ángel, meu querido, quem lhe disse que os anjos tem asas e coroas de luz?
- Os padres disseram a mim e a bíblia também diz isso. A bíblia é a palavra de Nosso Senhor aos homens.
- O quão bela é a credulidade e a ingenuidade humana... vocês foram feitos de uma centelha divina, mas são tão diferentes da fonte dela...
- Isto é fruto da atitude de Eva! Ela pecou... quis ser igual ao Criador e agora nós aguardamos a nossa redenção quando chegar o dia do juízo. Até lá, devemos seguir as leis de Deus ou estaremos condenados ao inferno por toda a eternidade.
- Assim lhe foi dito? Pobre criança! Ainda há muito o que aprender sobre os mistérios divinos. - eu sorri com doçura.
- Eu só irei aprender aquilo que o Altíssimo me permitir, porque há coisas que não nos cabe saber.
- Ah, esta humildade é algo que Ele aprecia.
- Por que você não tem asas? É mesmo um anjo?
- Ángel, se eu me apresentasse com toda a minha plenitude, sua existência sucumbiria. Ela não é preparada para todo o esplendor de um anjo.
- Compreendo... perdoe-me pela minha ousadia! - ele pôs-se de joelhos aos meus pés.
- Levante-se, Ángel! Sua atitude não foi desrespeitosa ou ofensiva. A incredulidade é algo natural nos mortais. Apenas escute-me, meu querido, está diante de um anjo, mas esta oportunidade veio acompanha de algo que pode ser desagradável: você vai conhecer as verdades que estão ocultas para grande parte dos mortais e no fim terá de realizar algo grande. Tão somente por isso me permiti aparecer diante de você, sob autorização do Criador.
- Então Deus não ouviu as minhas preces?
- Sim, Ele as ouviu mas me permitiu vir a Terra para lhe instruir. Tudo neste universo tem um lado bom e um lado ruim. Faz parte do equilíbrio.
- Devo guardar segredo?
- Faça o que sua alma e o seu coração lhe disserem... -eu me aproximei e lhe beijei o rosto. Em seguida, o olhei nos olhos e, com o meu poder hipnótico, o fiz adormecer antes de deixar o quarto. Ali, em meio as árvores em volta do mosteiro, eu me enterrei antes que o Sol se levantasse no leste
.
Enquanto dormia naquela cova, eu ainda podia captar os pensamentos vindos do jovem mestiço. Em sua mente reverberava a lembrança noturna e Ángel não sabia se havia sonhado ou vivido de fato aquilo tudo, mas o que mais me agradava era um pensamento específico: "Será mesmo um anjo? Quero vê-lo novamente!"



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Mostre sua alma!