domingo, 16 de junho de 2013

A Queda do Anjo - Capítulo III - As Presas Pairam Sobre o Pescoço

"Deus, todo-poderoso criador,
 Fez o homem à sua semelhança.
 O Diabo, todo poderoso manipulador,

 Modificou o homem à sua vontade."

Era mais uma das noites quentes nos trópicos, com o vento refrescante que vinha dos rios e dos lagos nas imediações. Este vento espantava os pequenos insetos que eram um incômodo até mesmo para mim, assim como era para qualquer ser vivo que ali habitasse.

Nos trópicos eu não usava os trajes pesados e pomposos da Europa. Não poderia, pois chamaria a atenção e também porque aquilo me ligaria à algo que eu ansiava esquecer. Após tanto tempo enterrado, meus trajes não tão pomposos assemelhavam-se mais a trapos e então me bastou um pouco de destreza - algo que eu tenho de sobra - para emboscar um colono com o porte parecido com o meu e, desta maneira, obter trajes novos. Eu o embosquei numa mata ciliar, enquanto ele pescava em um lago numa clareira. Bebi o sangue, pois é algo que eu necessitava e lhe abri dois buracos no peito antes de jogar o corpo que submergiu na água turva. Uma camisa branca e uma calça marrom me eram suficientes, pois os pés descalços seriam mais úteis.  As mangas bufantes da camisa, que era aberta no peito e com um pequeno cordão entrelaçado, com rendas nos punhos das mangas e apesar de simples, era bonita. A calça marrom era de corte simples e mais justa abaixo dos joelhos e apesar de desbotada, ainda era visualmente agradável. Posso afirmar que, com aquele traje, eu me passaria por um mortal comum e ao mesmo tempo eu poderia assemelhar-me à uma aparição, devido à minha pele extremamente branca e minhas feições perfeitas. Apesar da imagem que os gentios faziam dos anjos naqueles tempos, a ignorância das pessoas permitia-me (e a qualquer pessoa com um pouco de astúcia) que eu as ludibriasse facilmente.

Devidamente caracterizado como mortal  e também espírito,  parti em direção à edificação protegida entre as árvores imensas dos trópicos. O cheiro de terra úmida, que era carregada pelo vento, bastante me agradava e eu passava com habilidade felina por entre as árvores de troncos largos e copas frondosas. Em poucos instantes alcancei as muretas de madeira do mosteiro e podia ver as luzes brilhando enquanto os santos mortais conversavam quase sussurrando... como se portassem um segredo extremamente grande.

- Ángel, já fez suas preces? - interpelou uma voz rouca, fruto da idade avançada.
- Sim, padre José. O senhor  sabe o quanto isso é importante para mim! - ah, a voz acetinada e macia daquela garganta que eu tanto ansiava!
- Então vá dormir pois amanhã teremos muito trabalho. Boa noite, Ángel!
- Boa noite, padre José!

E ali, naquele lugar habitado por criaturas santas, espreitava um demônio centenário almejando trazer o inferno à terra e a derrocada de uma criatura imaculada.

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