quinta-feira, 6 de junho de 2013

A Queda do Anjo - Capítulo I - O Jardim



"Os sinos badalam e o som metálico
  Reverbera nas paredes e nas almas,
  Anunciando a presença do Altíssimo
  Chamando-nos para adorá-Lo."

Desde o predomínio do catolicismo - ou do cristianismo, mais precisamente - e a supressão das religiões pagãs, as "escolas de pastores", como prefiro chamar, proliferaram por toda a Europa. Seminários, monastérios e conventos eram os grandes centros culturais e acessados somente pela nobreza...mediante uma generosa doação de terra ou de bens, é claro! Os tempos mudaram mas a venda de indulgências continua a mesma. É cômico e, ao mesmo tempo, trágico o fato de qualquer um ter acesso à informação nos dias de hoje e ainda sim as pessoas caem em golpes disfarçados de promessas divinas. - Cristãos, odeiem-me por lhes empurrar a verdade goela abaixo! Sou um filho dos séculos  e vi coisas que vocês nunca viram.

Lembro-me de todo o tipo de nobre entregando terras, ouro e jóias aos clérigos para que suas almas não ardessem no fogo eterno dos sete infernos. Era hilariante vê-los, do alto de sua pompa e soberba, arregalar os olhos e tremer as pernas simplesmente por ouvirem a palavra "inferno". Ao mesmo tempo, via a ganância clerical sobrepujar a piedade e a caridade tão pregadas pelo seu mestre, o Cristo. - Parece-me pregar e ser pregado era o passatempo favorito do Cristo.

Naquela época os mosteiros eram construídos em lugares mais distantes, ermos ou no cume de montanhas. Creio que para afastar todas as tentações, como se o Diabo não pudesse subir montanhas ou como se ali, no alto, pudessem tocar a mão de Deus como no afresco de Michelangelo na Capela Sistina. Tais quais os castelos, estes mosteiros eram feitos de enormes blocos de pedra, com pequenas janelas e grandes portões de ferro. Ao longe, pelas pequenas janelas, via-se o brilho dos archotes e sentia-se o cheiro das velas cujas as chamas crepitantes dançavam ao sabor do vento.

Neste tipo de cenário bucólico, em meio à nobreza, plebe e clérigos, que vivi uma de minhas histórias. O Novo Mundo acabara de ser descoberto e sofria processo de cristianização. Suas densas florestas tropicais com a mais variada fauna e flora multicoloridas, alem de enormes quedas d'água, rios largos e grandes lagos repletos de peixes. No meio da floresta fora erguido um tipo de mosteiro feito de toras enormes e pouco trabalhadas de madeira escura. Lá estavam abrigados alguns padres hispânicos e alguns jovens europeus, futuros padres, bem como alguns mestiços frutos de nativos e colonizadores. Nenhum europeu parecia resistir por muito tempo àquelas mulheres de pele morena, quadris largos e ancas e seios avantajados. Assim surgiram vários bastardos e muitos deles abandonados na floresta próxima à uma cidadela - ou colônia, como queiram - recém formada. Este mosteiro era administrado por padres mais "progressistas" e por tal fato, aceitavam estes jovens mestiços perto de si. Lá eram ensinados sobre Deus, mas trabalhavam para prover todo aquele abrigo. Nesta época, eu dormia enterrado como um animal, pois meus poderes haviam crescido e eu buscava silenciar aquele turbilhão de vozes captadas pela minha mente. Foi o motivo da minha fuga para o novo mundo: buscar a paz que eu tanto ansiava e encontrá-la naquele mundo selvagem recém descoberto. De alguma forma aquele lugar realmente me deu o que eu buscava e em um curto espaço de tempo o adotei como lar.

Em meu sono tão tranquilizador, minha mente e meus sentidos ainda funcionavam. Eu podia ouvir espanhóis, com seu sotaque nítido, gritando com os aborígenes e com os negros escravizados. Escutava o crepitar das fogueiras em meio ao burburinho de vozes e instrumentos musicais bem tocados, cantando canções com um tom lamentoso mas muito bonito e sensual. Podia sentir o calor da terra aquecida pelo Sol e os sons da floresta. Conseguia sentir o cheiro do escorbuto e da Influenza matando europeus e nativos. Mas nada era tão interessante quanto perceber a relação "estranha" entre colonizadores e colonizados: durante o dia, havia gritos e durante a noite...gemidos. Durante a noite eu ouvia passos pesados das botas e, em seguida, gritos de pavor das aborígenes e escravas sendo violadas. Violação sexual não era a única que acontecia. Violação sexual, religiosa e cultural. Eu sentia o cheiro dos feromônios dos espanhóis, que atacavam as mulheres como um bando de leões sobre os frágeis cervídeos da savana africana.

Esta mescla de sons e aromas fez-me acordar e levantar-me do túmulo como um morto-vivo que sou. Despertei quando a colônia já era relativamente grande e os bastardos andavam a esmo pela floresta, tão solitários quanto eu posso ser. Uma forma de vida tão proibida quanto a minha. Não, eu nunca senti pena ou compaixão, porém identifiquei-me com eles de alguma forma. A diferença básica é que... eu sou...eu: uma forma de vida perfeita em todos os sentidos!

"Maldito vampiro! O que diabos você quer dizer e não diz logo?" - indagam-me vocês que leem estas linhas. Aquietem-se e aproveitem a narrativa, mortais! O cenário é essencial em qualquer história e ele contribui diretamente com o que eu vou contar em seguida. Lembrem-se de que todos os grandes escritores, incluindo o tão adorado Tolkien, fazem uma descrição notável do cenário. Acomodem-se onde lhes convir e apreciem o desenrolar da história.

* Imagem retirada do Google Imagens *

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