segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Outra dimensão


"Hypnos e Morpheus me visitam toda noite.
Hypnos me dá a flor-do-sono e Morpheus, através desta flor, me leva à outras dimensões
Não sei se deixo meu corpo para visitá-las, pois me parecem bem reais....talvez seja só o meu
Desejo se manifestando em meu corpo estático"
Enquanto tenho a flor, tenho o mundo aos meus pés, incluindo as pessoas que amo.
Com seu pólen dourado fertilizo esses amores, diversifico a vida em mim.
E esses amores crescem vigorosamente, mas somente neste mundo paralelo,
Que costuma ser escuro, algumas vezes tão frio, que a flor é meu Único conforto.
Com suas pétalas alvas e brilhantes como a lua, ilumino os recantos mais escondidos, revelo belezas da escuridão.

Esta flor, de repente, ilumina o canto mais escuro e mais denso
Duas joias brilham à luz tão alva...duas joias belíssimas.
Agora vejo! Um par de olhos! Olhos castanhos e grandes, que de tão intensos, hipnotizam-me.
Mas quem é esta pessoa de olhar profundo?
Aproximo-me e deixo a luz prata da flor banhar-lhe a face.
O chacal ergue seu corpo humano a uma grande altura, o coração dispara diante de tanta beleza.
Enquanto admiro sua imponência, subtamente outro gigante aparece. Um sobressalto incontrolável.
O corpo esbelto e feminino, o rosto do mais belo felino desliza perto de nós.

Aquela felina gigantesca dá um salto característico e cai sobre aquele chacal com olhar demoníaco.
Uma briga titânica se inicia, com uivos e urros monstruosos, sendo possível ver e ouvir as garras rasgando as carnes.
Eu era como um inseto, então fugi em direção à uma câmara escura, pois as trevas me pareciam mais seguras
Do que a luz daquele ambiente onde um embate se iniciara.
Naquele silêncio mórbido, corria sem consciente sentido. Até que trombei com uma parede no final da imensa câmara.

Diferente do que imaginei, aquele chacal não me esmagou. Apesar da imensidão de seus punhos, ele me arrancou o coraçao do peito, enquanto a felina
tentava detê-lo.

Obviamente, caí desacordado, pois sem coração, não há vida em uma criatura. Quando acordei, percebi que a felina cuidava de mim, enquanto meu coraçao repousava em uma balança dourada.
Olhei para o lado e vi algo que me fez arrepiar, ao sentir o frio me percorrendo: meu corpo estava no chão.
Então percebi que meu corpo fora separado da minha alma e aquela felina a protegia. Ela olhava para mim, com alguma ternura....como uma mãe que protege sua prole.

- Não te preocupes! Aquela briga foi para evitar que sua alma fosse destruida e obtive sucesso. Aqui, perante O Supremo, estamos protegidos"

Sua boca não se movia, mas percebi que aquela entidade era poderosa demais e falava diretamente comigo.

Seu olhar, agora sereno, me acalmou. Me aproximei da balança e observei meu coração pulsar, quando notei o olhar sério de uma mulher do outro lado.
Estava sentada em uma cadeira também dourada, usava túnicas brancas e tinha uma serpente em suas mãos.
Do mesmo modo que a felina, ela falou comigo:

- Está pronto para a verdade?
- Verdade? Que verdade?
- A verdade que só esta balança revela. A verdade inevitável!
- Meu coração será...pesado?
- Mas é claro, meu filho! E se ele for mais pesado do que aquela pena, estará condenado!
- Uma pena? Uma leve pena? Não há salvação para mim, se assim é feita a pesagem!
- Não seja incrédulo! Aqui há uma justiça que um homem jamais poderia fazer.
- Espero que seja mesmo verdade.

Um clima pesado pairou, enquanto a pena foi posta no prato oposto ao do meu coração.
Cada segundo era uma agonia, porque eu conseguia ouvir o rangir da balança,o pulsar daquele órgão tão vermelho.
Então vejo a balança pender para o lado do meu coração...

- Você foi pesado, julgado e condenado, humano indigno! - a voz do chacal ecoava
- Condenado ao inferno? É lá que vou sofrer castigos intermináveis?
- Não, meu filho. O inferno não existe...o castigo físico não existe. Você...sua alma
está condenada a passar a eternidade percorrendo o Nilo e as pirâmides, enfrentando
os demônios que você mesmo criou.


Ao pronunciar estas palavras, o chão se desfez sob meus pés e caí no Nilo. Tentei sair, mas ele era demasiado profundo
e almas desesperadas pareciam querer se alimentar de mim. O rio era sangue, como foi feito por Moisés uma vez.
Lutei como nunca antes para escapar daquele lugar pútrido e fétido, mas quanto mais me debatia, mais sentia a falta de ar. Preso pelas almas, senti a
agonia e o desespero, que somente Prometeu entenderia.Eu sabia que não poderia morrer e sentia meus pulmões encherem-se daquele sangue.
Quando me soltei e me ejetei para fora do rio, senti a vida,o alívio, a dor e o medo. E no meio do sangue, a água de meus olhos.

Este líquido que me escorria pelo rosto, trouxe à tona as dores que carregava. Lembrei-me de todo o sofrimento que causei a quem amava.
De todas as brigas, do sangue no meu punhal, da minha esposa caída no chão...do meu filho chorando....ah, quanto mal! Não posso mais entrar em detalhes.
Pus a mão no peito, justamente na fenda que abrigava o meu coração. Aquele buraco não estava só no meu corpo, mas vinha da minha alma, pois o mal que
causei, não era físico.
Sentei-me ao pé de uma árvore, que parecia ser uma oliveira. Lá vi minha mulher, um espirito negro, denso e que emitia um lamento interminável.
Aquela cavidade em meu peito parecia viva, pois se contorcia, causando-me uma dor lacintante. Novamente a água escorria pelo meu rosto.

A voz lamuriante de minha esposa, o cheiro do sangue, o eco das almas,a lembrança do meu coraçao sendo pesado....tudo isso me fez vomitar a verdade.Então, como se possuído por um demônio, comecei a confessar meus pecados à medida que ia chorando feito uma criança.
Tudo escurece e os sons cessam. Sinto um aroma de flores de uma cerejeira...eu despertei em uma espécie de jardim, um jardim belíssimo, mas que cheirava
à morte.

Novamente a presença da minha esposa, mas desta vez, estava mais clara, mais etérea.

- Você causou este mal! Você fez de mim um espírito errante, pois eu trouxe comigo, o ódio que havia no seu punhal.
- Peço perdão! Somente agora vejo como eu era animalesco, como um leão faminto atrás de um cervo. Como fui injusto,
minha amada Andrômeda.
- Idiota! Você é um idiota! Desgraçou-nos com sua fúria. Seu filho também está aqui, sabia?

Disse apontando para o frágil e inocente corpo do meu pequeno. Ao vê-lo todo banhado pelo vermelho, urrei para liberar a dor que eu sentia. A falta de
ar e os soluços culminaram no pranto. A alma de minha esposa se tornava cada vez mais clara e etérea.

- Eu o perdôo, meu querido! Apesar de tudo o que causou, eu o perdôo.

Então a fenda em meu peito, expeliu a flor dada por Hypnos e se fechou. Senti um vórtice me puxando intensamente, uma luz ofuscante e pressão imensa em meu corpo.
Ela sorria para mim, o sol reluzia sua face angelical. Abracei-a, senti seus dourados fios entre meus dedos e a alegria me encher.

- Foi um sonho, Ândromeda!

Corri até meu filho, que ainda dormia tranquilo. Andei silenciosamente até ele e beijei-lhe a face.

- Obrigado aos deuses, que me abriram os olhos!
Percebi que tudo aquilo era uma visão do que me ocorreria, caso não mudasse a minha atitude animalesca e espartana.
Aquela flor, agora murcha, me levou a um possível futuro, ao que minha alma sofreria.

Hypnos e Morpheus não mais visitam toda noite.
Hypnos me deu a flor-do-sono e Morpheus, através desta flor, me levou à outras dimensões. Mas uma delas me causou espanto:
uma dimensão chamada ALMA. Uma viagem para dentro de si mesmo é mais aterrorizante do que qualquer górgona.

Você tem sonhado muito? Os sonhos nem sempre são meras imagens...



*texto feito em conjunto com a Athina. Obrigado pela companhia, Athina*

Um comentário:

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