O último trago

Não que isso me sirva de algo, é apenas um complemento do que já teve início. Se tornou constantee me desfaz aos poucos, já não sei quem sou ou pra onde um dia irei... Saio do banho secando meus cabelos, jogo a toalha molhada na cama. Ando pela casa, nua. Não quero que me vejam assim, mas se logo partirei não me importa. Sento na velha poltrona daquela sela imunda, enquanto acendo um cigarro imagino que aquele pudesse ser o meu último, olho amigavelmente pra ele e sorrio, meu primeiro sorriso em semanas. Meus seios já não irão amamentar nenhuma criança, meu sexo não alimentará um homem, meus lábios não vão se embriagar em orvalho e meu corpo não será tocado por nenhuma roupa. Levanto e ando até a cozinha, olho a lâmina afiada da faca que está sobre a mesa, não posso fazer dessa forma. Minha pele branca não se manchará com o sangue de algo tão imundo como eu. Volto a sala e ligo a TV, o canal de jornalismo 24hrs tem a hora marcada ao lado 6:30. Guerras, mortes e balas perdidas. "Por que nenhuma acertou o meu peito?" falo baixinho. Pego o telefone, disco o número do homem que seria a minha salvação. Ele atende: - Alô? - Oi, só queria dizer que todos os seus esforços não foram em vão. Eu não quis ser salva, a culpa é minha... Desliguei o telefone antes que pudesse reconhecer a minha voz, lágrimas me correram à face. "Como sou estúpida", pensei. Fui até a varanda e arrastei a churrasqueira, ela seria a ajudante do meu carrasco, a coloquei no banheiro e lá me tranquei. A fumaça que inalei durante longos anos agora iria me matar. Acendi o carvão e logo se fez a fumaça, liguei o chuveiro e me sentei onde a água caia. Senti minha garganta ardendo, minha respiração ofegante, o ar escapando de mim, o sangue escorrendo pelo nariz... "O último trago, meu melhor trago, o trago da liberdade", pensei.